Estação St. Pancras e sua estrutura espacial Londres, numa vista clássica
Única cidade a rivalizar com Nova York em poder financeiro, a capital britânica realiza diversos empreendimentos de reurbanização – da histórica área de King’s Cross, no coração da cidade, até o bairro novo Barking Riverside, no East London, região de influência do Parque Olímpico construído para os Jogos de 2012 e que, depois, recebeu contrapartidas de habitação social
Joseph Young – Londres (Inglaterra)
Parece que Londres quer prolongar o sucesso do legado deixado pela Olimpíada de 2012, que propiciou a renovação urbana radical de uma das regiões mais pobres do país, o chamado East London. Polêmicas à parte, o Parque Olímpico ancorou empreendimentos, como o shopping center Westfield, ao lado da estação de metrô, que sozinho gerou 10 mil empregos novos na região.
As melhorias substanciais de ligação do metrô londrino e outros modais foram fundamentais para mudar a cara da região, que atraiu numerosos projetos imobiliários, visando atender o binômio ideal de trabalhar e morar na mesma localidade, sem precisar cruzar a cidade.
O centro olímpico já tem a cara de um parque londrino, com extensas áreas verdes, cursos d’água, pontes para pedestres (estruturas originais destinadas aos Jogos, que foram reduzidas de tamanho). Todas as instalações esportivas provisórias dos Jogos Olímpicos 2012, como o ginásio para basquete, já foram removidas.
No estádio principal está sendo concluída a retirada do anel superior da arquibancada, tornando a sua capacidade adequada às competições regionais. O diretor Peter Tudor, da empresa constituída para cuidar do legado pós-Olimpíada, a London Legacy Development Corp., revelou à revista O Empreiteiro que o empreendimento mais recente a ser implementado é o polo cultural, que terá filiais do conhecido museu Albert e Victoria, de Londres, e do venerado Smithsonian, de Washington (EUA), um teatro e diversas universidades.
O Parque Olímpico hoje pode ainda receber 60 mil pessoas para grandes eventos, com toda a segurança, inclusive transporte público via metrô e trens. A vila dos atletas tornou-se um núcleo residencial, com 2.400 apartamentos vendidos ao público, reservando-se um determinado número para habitação social dentro do mesmo conjunto. Além disso, 800 casas de família no tradicional estilo londrino foram erguidas no espaço antes ocupado pelo ginásio de basquete.
O complexo de telecomunicações dos Jogos foi ocupado por empresas do setor, negócios de TI e estúdios de TV. Há escola em construção e clínicas de saúde.
A capital surpreende pelo número de guindastes no horizonte
Integrar as moradias sociais dentro do tecido urbano
A política habitacional britânica vigente define que social housing é destinado a quem não pode pagar aluguel, sendo a moradia doada pelo governo, conforme uma lista de inscritos de baixa renda, cuja admissibilidade é atualizada todo ano; a outra modalidade, chamada affordable housing, se volta para a população com renda acima da primeira, que pode adquirir a moradia gradativamente segundo um mecanismo singular – pagamento de 10% do imóvel a cada cinco anos.
Esses dois tipos de moradia social são construídos e vendidos a “preço de custo” pelo empreendedor à subprefeitura (ou borough), assegurando efetivamente o mix de moradores, evitando criar os guetos tão conhecidos nas cidades grandes.
Existe também uma política que busca situar a moradia social em regiões com transporte de massa fácil, padrão de construção igual aos exigidos pelo mercado imobiliário, ao invés de pressionar essa população de baixa renda forçosamente para as periferias.
Difícil de acreditar? Pois bem, um exemplo cristalino está no empreendimento localizado em King’s Cross, no coração de Londres, num distrito histórico, que, na ausência de intervenções urbanísticas e imobiliárias, entrou em decadência e passou a ser frequentado por delinquentes de toda ordem.
O preço por metro quadrado na área é, entretanto, um dos mais caros da capital, como mostra a Argent, empresa que lidera o empreendimento de reurbanização, que prevê 22 edifícios comerciais, ocupando 56% da área; 17 edifícios residenciais, com 2 mil unidades, somando 25% do total; mais 500 mil m² de espaço para lojas de varejo, hotéis, cultura, educação, lazer e esportes.
No segmento residencial, 40% das unidades construídas serão destinadas à habitação social. Convém lembrar que a qualidade de construção é idêntica (menos a metragem útil das unidades), porque as unidades residenciais destinadas ao mercado imobiliário e para fins sociais fazem parte dos mesmos edifícios, formando um mix de moradores sem distinções por renda.
Esse empreendimento sobreviveu à crise global de 2008. Num dos conjuntos comerciais, o Google vai instalar sua sede londrina. O plano diretor de regeneração urbana da área foi criado por dois escritórios de urbanismo, sendo os prédios projetados por diferentes arquitetos.
O fato de a University of the Arts London estar já em funcionamento na região trouxe diversos tipos de população flutuante e estudantes jovens. Esse bairro renovado, onde em 2016 vão trabalhar e viver 30 mil pessoas, será 100% autossuficiente em aquecimento (água e climatização) e 80% em energia (subproduto da produção de água quente a gás).
East London ganha Barking Riverside, em frente ao Tâmisa
Adotando o nome de uma antiga usina de energia, 2 km ao longo do rio Tâmisa, uma área está recebendo um empreendimento de reurbanização, numa associação singular entre a prefeitura de Londres e a construtora imobiliária Bellway Homes. Compreende a regeneração de 443 ha de terra em bases sustentáveis, para 10 mil moradias, com 30% oferecendo três ou mais dormitórios, sendo mais de 40% do total na categoria affordable housing. Há 318 casas destinadas ao segmento de locação privada.
Para consolidar a comunidade, haverá clínicas médicas, lojas, espaços comunitários e de lazer com serviços de transporte público. Os primeiros residentes se mudaram em 2012, e outras 700 famílias foram instaladas em 2014.
Quatro escolas primárias, uma secundária e uma para necessidades especiais estão em diversos estágios de implementação, ao lado de 65 mil m² de espaço para uso comercial, varejo, comunitário e social.
O centro comunitário Rivergate abriu em 2011 e incorpora uma escola primária e outra secundária, enfermaria, espaço ecumênico, PCs com internet, biblioteca etc. A escola secundária mudará para local definitivo com 1.800 vagas ainda em 2015. Um serviço de ônibus de padrão londrino liga Barking Riverside a estações de metrô e trens em localidades próximas.
No total da área, 41% serão reservados para um parque, com espaços interligados por jardins, ciclovias e caminhos para pedestres, e espaços para esportes e lazer. Nos empreendimentos, telhados verdes dão melhor isolamento térmico aos moradores das casas; a água de chuva é coletada para reúso; e redes de drenagem são utilizadas para irrigação de plantas.
Edifício em construção em Barking Riverside tem unidades reservadas para habitação social
Do outro lado do Tâmisa, em frente ao Canary Wharf
O hoje badalado distrito financeiro de Canary Wharf, desprezado pelo mercado na ocasião de seu lançamento, aproveita uma área extensa de antigas docas. O seu empreendedor original até faliu. O restante foi seguido de estrondoso sucesso. Mas o badalado distrito londrino tem um problema, uma vez que a população flutuante só trabalha, mas não mora lá: basta ver o congestionamento às 17h nas vias locais e a superlotação das estações de metrô (sim, isso também ocorre em Londres).
Daí, nasceu a ideia do Greenwich Península, do lado oposto do Tâmisa, cuja travessia pode ser feita por um cabo aéreo de bondinhos com operação patrocinada pela linha aérea Emirates, além de ferryboats e metrô. Em 2018, a nova ligação ferroviária Crossrail vai chegar a Canary Wharf, com conexões para o restante do país, aeroportos londrinos e Europa.
O empreendimento – que emprestou o seu nome do meridiano de Greenwich, que, aliás, cruza o sítio – prevê construir uma verdadeira cidade, em cinco distritos, pelos 190 ha de terra e brejos onde havia estaleiros navais.
Serão dez mil residências — de estúdios custando 250 mil libras e apartamentos de 1 a 3 dormitórios, até penthouses valendo 1,5 milhão de libras. Ficarão em edifícios de até 40 pisos, ladeados por restaurantes, cafés, galerias, estúdios de artistas e, naturalmente, um parque — tudo dentro da linhagem britânica. Ainda assim, 25% das habitações serão reservadas para a modalidade social de affordable housing. O empreendedor é a Knight Dragon, empresa sediada em Hong Kong.
O sítio era conhecido como Millennium Dome – um enorme domo contendo espaços para shows que leva a marca O2, com uma série de restaurantes e serviços no entorno do espaço principal. O plano diretor anterior foi concebido pelo arquiteto Terry Farrell há 10 anos e foi remodelado pela Greater London Authority (GLA), que negociou o ingresso da Knight Dragon (60%) em 2012 como parceira, tendo assumido controle total em novembro passado. A evolução do projeto foi estimada em 25 anos, com construção iniciada em 2013 e os primeiros moradores entrando no próximo ano.
Londres, finalmente, resgata uma região esquecida do outro lado do Tâmisa.
O projeto Greenwich Peninsula fica na margem oposta do Tâmisa, em frente ao complexo financeiro de Canary Wharf
Fonte: Revista O Empreiteiro