O projeto da prefeitura de Curitiba, de construir, nos próximos seis anos, a primeira linha de um moderno sistema de metrô, capaz de atender à demanda de deslocamentos de cerca de 85% da população local, transportando cerca de 460 mil passageiros/dia, entrou num desvio onde permanece parado desde o início deste ano, por força de uma disputa judicial. A pedra no caminho do metrô curitibano foi colocada pelo consórcio SEP, formado pelas empresas paulistas Sistran, Estra e Pólux. Inconformado por ter sido eliminado, em janeiro, da licitação para a realização dos estudos básicos de engenharia do empreendimento, o consórcio entrou com liminar junto à 1a Vara de Fazenda Pública de Curitiba, pedindo a suspensão temporária do processo.
O pedido foi acatado em fevereiro deste ano, pelo juiz Jederson Suzin, que entendeu que o consórcio SEP não teve chances de competir em igualdade de condições com o concorrente, o consórcio NovoModal, composto pelas empresas Esteio, Vega e Engefoto, de Curitiba, e Trends, de São Paulo. Nessa primeira etapa do processo licitatório para os estudos básicos de engenharia, as empresas concorrentes deveriam apenas apresentar a documentação comprovando habilitação jurídica e qualificação econômico-financeira. Representantes do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), que coordena o processo, afirmam que o SEP não apresentou a documentação completa dentro do prazo estipulado. Já o SEP argumenta que a eliminação se baseou em quesitos técnicos que só deveriam ter sido avaliados em uma segunda fase da seleção.
O impasse “engessou” o processo de construção do metrô curitibano. De acordo com técnicos do Ippuc, os estudos básicos de engenharia permitiriam realizar a sondagem geológica do subsolo de Curitiba, identificando os diferentes tipos de solo, a profundidade e a situação de cada um deles para efeito de construção das galerias do metrô. Permitiriam ainda identificar de eventuais cursos de água subterrâneos, já que Curitiba, localizada na região da foz do Rio Iguaçu, é altamente irrigada, e isso pode constituir um complicador para a execução do projeto.
Junto com os consórcios SEP e NovoModal, participou da primeira fase das licitações para o metrô a empresa curitibana Ecossistema Consultoria Ambiental, que concorria sozinha para a elaboração dos estudo e o relatório do impacto ambiental da obra (EIA/Rima), e que acabou habilitada.
A assessoria da prefeitura de Curitiba informou que a Procuradoria Geral do Município (PGM) estuda o impasse jurídico e que deverá apresentar em breve uma solução para o caso.
Esgotamento de um modelo pioneiro
A construção de uma rede de metrô foi a resposta encontrada pelos técnicos do Ippuc para os problemas gerados pelo esgotamento do modelo de transporte de Curitiba. Com cerca de 1,8 milhão de habitantes e uma frota de aproximadamente 1 milhão de carros particulares, segundo o Detran/PR, a capital paranaense, que já exportou soluções para questões de trânsito e transporte para cidades como Bogotá (Colômbia), Santiago (Chile), Cidade do Panamá (Panamá) e Orange Line de Los Angeles (Califórnia, Estados Unidos), sofre hoje com congestionamentos e retenção de veículos nos horários de pico. Esses problemas tendem a aumentar rapidamente, na medida em que a frota de carros particulares cresce na proporção de 6% a cada ano e o crescimento médio anual da população é de 1,7%.
A Rede Integrada de Transporte (RIT), sistema de transporte público que tornou a capital paranaense uma referência mundial, consiste basicamente na estruturação de uma malha de vias exclusivas para o tráfego de ônibus expressos, com diferentes capacidades, de convencionais a bi-articulados (ônibus longos, divididos em tês seções ligadas por conexões sanfonadas), que param em estações especiais (estações tubo). Essas estações têm acesso para deficientes e pagamento antecipado da tarifa, de forma a acelerar o embarque e desembarque dos passageiros.
Os corredores ocupam a porção central do leito das avenidas, em duas faixas exclusivas e totalmente segregadas onde, pelo projeto inicial, os ônibus deveriam circular a uma velocidade de até 25 km/h. Com o aumento da demanda, no entanto, os intervalos entre os ônibus passaram a ser de apenas 50 segundos, formando comboios que se deslocam a cerca de 10 km/h, nos horários de rush.
Pelo eixo Norte-Sul, o de maior carregamento da cidade, circulam hoje 86 ônibus bi-articulados, que rodam mais de 16 mil km por dia
Apostando em metrô de baixo custo
Em 2007, a bancada paranaense no Congresso Nacional conseguiu incluir no Plano Plurianual da União (PPA), para o período de 2008/2011, a emenda que solicita recursos de R$ 700 milhões para a construção da primeira etapa do metrô curitibano. O valor para esta fase do empreendimento está previsto entre R$ 1,2 a R$ 1,4 bilhão, com a contrapartida de 50% da Prefeitura de Curitiba. Pelo projeto, o metrô atenderá a uma demanda de 450 a 468 mil passageiros por dia, transportando-os a uma velocidade de 35 km por hora.
Os custos da implantação da obra foram estimados pela Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU), com base em projetos similares.
A primeira etapa do metrô prevê a construção de 22 km de linhas, indo da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) até o terminal de Santa Cândida (Linha Azul). Numa segunda etapa, está prevista a construção de mais 14,3 km de via dupla, no trecho Pinheirinho-Cabral, com 15 estações subterrâneas.
Para atender à demanda atual, o sistema deverá contar com frota de 23 trens de quatro carros, considerado uma taxa de ocupação de sete passageiros por m2.
Também faz parte do projeto a construção de um Centro de Controle Operacional (CCO) e um complexo de manutenção em uma área de aproximadamente 50 mil m2.
Pelos cálculos iniciais dos técnicos do Ippuc, os custos de implantação do metrô curitibano seriam bem menores que os de sistemas de outras cidades. O primeiro fator de redução dos custos seria a utilização, para a construção das galerias, das canaletas hoje utilizadas pelos ônibus expressos. Isso eliminaria a necessidade de desapropriações que tanto encarecem os projetos.
Além disso, as galerias seriam construídas pelo método cut and cover, a uma profundidade média de 7 m, contra até 30 m de profundidade das galerias dos metrôs convencionais. Somente em 2,5 km, na região central, seriam necessárias escavação mais profunda, além de um túnel. Em outros 3 km do traçado, os trilhos passaram acima do solo (na superfície ou em elevados).
A área da superfície, onde hoje existem as canaletas exclusivas para ô
;nibus biarticulados, daria lugar a uma ciclovia e um calçadão para pedestres, arborizado e com equipamentos de lazer.
Sobrevida para o sistema atual
Enquanto não se resolve o impasse jurídico, e até a conclusão do metrô curitibano, os técnicos do Ippuc já pensam em uma alternativa para aumentar a sobrevida do sistema atual e evitar um colapso no sistema de transporte e trânsito da cidade.
Essa alternativa seria desalinhar algumas das estações-tubo a fim de permitir a ultrapassagem entre os bi-articulados, o que hoje não é praticado. Com isso, seriam criadas linhas expressas, os Ligeirões, que iriam de uma extremidade à outra dos corredores, sem paradas intermediárias, e linhas semi-expressas, com um número menor de paradas que as atuais.
Pelos cálculos preliminares, este artifício permitiria acomodar à demanda, em caráter provisório, dando ao sistema uma sobrevida de no máximo sete anos. Depois disso, não daria mais para adiar a construção de um sistema de metrô.
Fonte: Estadão