Adriano Santos
Acostumado com os danos provocados pela queda de energia, as cidades brasileiras experimentam agora os graves problemas com quem fornece eletricidade diretamente aos cidadãos
OBrasil escancarou novamente um gargalo em seu plano de desenvolvimento: as falhas na distribuição de energia elétrica. A amostra maior dessa deficiência foi dada dessa vez pela AES Eletropaulo, que é responsável pelo fornecimento de luz para 6,2 milhões de clientes em 24 cidades em São Paulo, incluindo a capital. |
A empresa se tornou alvo de ataques de todos os lados após deixar, no último dia 7 de junho, moradores dos bairros de Butantã, Parelheiros, Santo Amaro e Saúde e das cidades de Barueri, Carapicuíba, Cotia, Osasco e Itapevi até 96 horas sem energia elétrica. Após a pressão pública, a empresa anunciou um programa bilionário de investimentos — são R$ 3 bilhões no período de 2011 a 2015.
As críticas devido à demora para o restabelecimento de energia e à incapacidade da Eletropaulo de sanar rapidamente os problemas do “apagão”, começaram pelos consumidores, após o vendaval do dia 7 de junho. A reclamação dos atingidos foram tantas no Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa ao Consumidor) que o órgão registrou recorde de ocorrências, a ponto de acreditar que, pela primeira vez nos últimos anos, a Eletropaulo irá tomar da Telefonica o posto de líder em queixas.
A empresa aponta indicadores de qualidade determinados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e cita que no primeiro trimestre, por exemplo, o DEC (duração média de interrupção) ficou em 9,91 horas, abaixo da média da região Sudeste do país, que registrou 11 horas. Já o FEC (frequência média de interrupção) do mesmo período foi de 5,44 vezes, também abaixo da média do Sudeste (6 vezes). Entretanto, esses números mostram que se a Eletropaulo não está bem — comprovado pelo número de reclamações e pelas 96 horas sem energia em algumas regiões da Grande São Paulo —, o setor de distribuição de energia elétrica no país está ainda pior.
Mesmo assim, a distribuidora viu até o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), bater forte na empresa acionando-a de não saber lidar com “imprevistos” que levem aos cortes de energia em São Paulo. “É obvio que ela [a Eletropaulo] não tem condições mínimas de atendimento rápido ao usuário. E, ao mesmo tempo, não tem como se prevenir desses problemas de tempestade que todo mundo sabe que ocorre”, afirmou.
Queixas não atendidas
Para o Procon-SP, as condições climáticas registradas em junho, com direito a ciclone extratropical e fortes tempestades que derrubaram mais de 250 árvores, não eximem a empresa da omissão de atendimento aos clientes. “A desculpa agora é sempre um fator externo, a natureza e o clima. Mas a Eletropaulo já tem pecado faz tempo no atendimento aos clientes”, afirma Carlos Coscarelli, assessor-chefe do Procon.
Segundo ele, desde 2007, a AES Eletropaulo tem visado mais à obtenção de lucros do que qualidade em seus serviços, tanto que, só no ano passado, deixou de atender 71% de um total de 1.708 queixas de consumidores — ficou em segundo lugar no ranking, liderado pelo banco Santander.
“Na época das chuvas, em janeiro e fevereiro, após observar que o serviço de atendimento ao cliente (SAC) da Eletropaulo não estava dando conta das queixas, nós nos colocamos para fazer uma triagem, coletar as ligações e depois encaminhá-las à empresa”, diz o assessor-chefe do Procon.
Ao todo, mais de 1.200 ocorrências foram abertas no órgão de defesa do consumidor, mas, diz Coscarelli, a Eletropaulo tem desdenhado do trabalho e se mostrado indiferente diante das queixas por falta de luz ou queima de aparelhos eletrodomésticos.
Essa atitude, inclusive, levou a direção do Procon a pedir à Aneel uma intervenção na Eletropaulo, o que, por enquanto, não vai ocorrer, já que o diretor-geral da agência, Nelson Hubner, considera que há no País casos mais graves que os da concessionária paulista. A própria Eletropaulo apresenta índices muito melhores da média do país e afirma ter um plano (a ser divulgado “em breve”) para evitar que episódios como o de junho se repitam.
Diante da inércia do órgão federal, o Procon já prepara um ofício para apresentar ao Ministério Público Estadual e Federal e ao Tribunal de Contas da União. “Usamos todas as armas que o Código de Defesa do Consumidor permite. A gente multa (a Eletropaulo já soma, desde 2008, R$ 18 milhões de multas do Procon, tendo pago só R$ 3,5 milhões). A gente conversa. A gente propõe ações. E, neste caso, não podemos pedir a suspensão dos serviços da empresa, por se tratar de algo essencial “, afirma Coscarelli.
A Eletropaulo, porém, afirma que tem se mobilizado no atendimento ao cliente, distribuindo formulários para pedidos de indenização por danos elétricos, abrindo lojas e postos de atendimentos nos finais de semana e disponibilizando 80 profissionais para ajudar os clientes a solicitar o pedido. Ela cita trabalhos feitos em Caucaia do Alto, Embu das Artes e Itapecerica.
Tal ação, porém, não chegou ao mecânico Geraldo Henrique, que mora no Jardim Primavera, em Caucaia do Alto (Cotia), e passou quatro dias sem luz. “Tive duas televisões queimadas. Já estávamos desesperados quando a energia voltou. Ligávamos para a Eletropaulo e ninguém nos atendia, só indicavam para fazer a reclamação pelo site da empresa. Um absurdo, já que ficamos sem internet e outros aparelhos essenciais em casa, como geladeira, chuveiro. Depois de muito insistir, disseram que iriam mandar um técnico à minha casa para checar os produtos queimados. Até agora, porém, nem sinal da Eletropaulo”, afirma ele, que estuda entrar na Justiça.
Esse e outros casos, como o de pessoas que tiveram à vida em risco devido à falta de energia e de água, já que em determinadas áreas a falta de luz interrompeu o trabalho de bombas que trabalham no abastecimento de água à população, levam o Procon a acreditar que os descasos da Eletropaulo em relação ao último “apagão” tornaram as perdas muito maiores do que os R$ 18 milhões de multas que foram aplicadas até hoje à companhia.
Problema mais grave
Se o trato com o consumidor não tem sido o forte da Eletropaulo, a empresa também tem sofrido com questões pontuais. O presidente do Sindicato dos Eletricit
ários de São Paulo (Stieesp), Carlos Alberto dos Reis, diz que há falta de mão de obra qualificada na empresa.
“Apesar de a AES Eletropaulo fornecer equipamentos necessários aos trabalhadores, como a demanda é grande, eles não dão conta de todos os problemas causados por tempestades em São Paulo”, explica.
Reis revela ainda que a Eletropaulo chegou a pegar mão de obra emprestada da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) para ajudar na demanda de junho. E lista dois pontos básicos para a falta de mão de obra: baixos salários pagos no setor e migração dos trabalhadores gabaritados para a construção civil. “Hoje eles apenas dão um curso básico para formar o pessoal e já o joga para trabalhar”, revela o presidente da Stieesp.
O material e os equipamentos em operação, obsoletos, é outro ponto crítico na visão de especialistas do setor elétrico. Além de não ter feito obras para aterrar a fiação da cidade, como prometido desde que começou a atuar em São Paulo, a Eletropaulo não investe na renovação do cabeamento e dos transformadores da capital paulista e dos municípios da Grande São Paulo.
No contrato que firmou com a administração pública de São Paulo, a Eletropaulo tem a obrigatoriedade de aterrar parte da fiação. Mas, nesse ponto, anda a passos lentos. Para tornar subterrânea a rede de cabos elétricos, calcula-se que sejam necessários R$ 100 bilhões — até agora, apenas parte do centro e a região do largo da Batata foram beneficiados.
De acordo com a empresa, 52% das interrupções de energia em sua área de concessão são causadas por queda de galhos, árvores e objetos na rede. Uma rede subterrânea, mais protegida do que a rede convencional (aérea), não estaria sujeita a essas interrupções. A construção de uma rede subterrânea, porém, é de 10 a 16 vezes mais cara em relação à rede aérea, segundo a Eletropaulo.
Como o custo é maior, a Eletropaulo diz que, de acordo com a Aneel, há o impacto direto no valor da tarifa de energia elétrica. “Para que o ônus não seja apenas do consumidor para viabilizar o enterramento de toda a rede, é necessário, portanto, equacionar a questão financeira, envolvendo governo, sociedade e iniciativa privada”, informa a empresa.
CPI
A morosidade nesse processo fez com a Eletropaulo virasse alvo também da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), que conseguiu aprovar na Câmara Municipal de São Paulo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para questionar a empresa por não cumprir lei municipal 14.023/2005, que determina o aterramento de 250 km de fios por ano.
A Eletropaulo, porém, tem se desviado dessa tarefa não só pela explicação dos custos aos consumidores. Primeiro, alegou que, para concretizá-la, causaria muito danos aos moradores da cidade devido ao impacto das obras. Agora, diz que não está sujeita a determinações municipais, tendo que acatar apenas à legislação e determinações federais. À época, o diretor de operações da empresa, Sidney Simonaggio, alegou que “a Aneel não nos obriga a fazer o que chamam de investimento prudente e que entendemos que não seria prudente colocar todas as áreas da Eletropaulo em subterrâneo, dado o custo elevado para o sistema”. Devido a essa atitude, a maior parte da rede elétrica que se encontra aterrada na cidade deve-se, na maior parte, à ação de comerciantes, como no caso da rua Oscar Freire, uma das regiões mais nobres da capital paulista.
Ao mesmo tempo em que tem deixado de lado essa solução, a Eletropaulo corre para lutar contra um gargalo do setor energético paulista: os religadores, equipamentos que atuam para proteger a rede de sobrecargas e curto-circuitos. Cerca de 3.000 religadores funcionam manualmente. Ou seja, se param para evitar um curto ou “salvar” a rede, precisam ser ligados novamente por funcionários da Eletropaulo.
A empresa se defende e diz que no ano passado instalou 286 religadores automáticos, que 1.718 encontram-se em fase de instalação e outros 1.000 estarão na rede em 2012.
A Eletropaulo também divulgou que tem investido na manutenção do sistema, com podas de árvores (276 mil só neste ano) e ação preventiva em 6.550 km da rede. Em números, a empresa diz ter aplicado R$ 682 milhões do lucro de R$ 1,3 bilhão registrado em 2010, contando aqui a ampliação de dez subestações e construção de duas novas, além da construção de uma linha de transmissão (Anhanguera-Casa Verde) — o sistema elétrico que distribui energia na área de concessão da empresa é composto por 150 subestações transformadoras de distribuição.
O que a empresa não explica: o número de caminhões de manutenção que são mobilizados para os reparos é absolutamente insuficiente para o adequado atendimento.
A Eletropaulo, comandada pelo grupo americano AES, controla o fornecimento de energia elétrica desde 1997-1998, quando passou a valer o contrato de concessão.
Instadas a comentar a situação da AES Eletropaulo, a Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e Acende Brasil prefiram abster-se de comentar a situação da Eletropaulo, dizendo-se ligadas apenas a questões técnicas.
Multas pagas e reclamações atendidas
A Eletropaulo, no setor de energia elétrica, é uma das que mais têm efetuado compensações aos consumidores. Em 2010, foram 7,8 milhões de compensações aos consumidores, totalizando um pagamento de R$ 25,6 milhões — essa compensação se dá em abatimentos na conta de luz dos clientes.
Isso sem contar as multas aplicadas pelo Procon e os R$ 654 mil já pagos para a Agência Reguladora de Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), de um montante de R$ 10,9 milhões de multas.
A empresa afirma que ainda existem multas “em fase de recurso” e que mantém um relacionamento de transparência com a Aneel, Procon e Arsesp, fornecendo todas as informações necessárias sobre as demandas recebidas desses órgãos.
Assim, mesmo colecionando problemas, na opinião tanto da Aneel quanto dos órgãos que atuam no setor energético do país, a Eletropaulo está acima da média do setor.
A ELETROPAULO
Cidades atendidas (24) |
Barueri, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embú-Guaçu, Itapecerica da Serra, Itapevi, Jandira, Juqui tiba, Mauá, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santana do Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, São Paulo, Taboão da Serra, Vargem Grande Paulista. |
Colaboradores próprios |
5.663 |
Terceirizados |
7.847 |
Lucro (2010) |
R$ 1,3 bilhão |
Subestações |
150 |
Investimentos 2006-2010 |
R$ 2,5 bilhões |
Investimentos 2011-2015 |
R$ 3 bilhões |
Investimentos 2011 |
R$ 720 milhões |
Multas da Arsesp |
Total: R$ 10,9 milhões (pago R$ 654 mil) |
Multas do Procon |
Total: R$ 18 milhões (pago R$ 3,5 milhões) |
Procon reclamações 2011 |
1.200 |
Procon reclamações 2010 |
1.708 (71% não atendidas) |
Fonte: Estadão