No território das Farcs

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As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) enraizaram-se no país. Talvez esteja lá desde a criação de Macondo, a aldeia que surgiu do realismo mágico da obra Cem anos de solidão, de Garcia Marquez. Exagero à parte, elas exploram, há mais de 50 anos, a carência do Estado, onde o Estado, por negligência ou absoluta falta de identidade com as populações miseráveis, deixa de exercer o seu papel.

Ali, no departamento de Antioquia – e em outras regiões – ela encontrou campo fértil para prosperar. E construiu equipamentos urbanos que o Estado deixava de construir. As populações que sobrevivem nas amplas montanhas acostumaram-se com a ausência do Estado. Estão encarapitadas nas encostas, por onde os acessos são feitos pelos caminhantes, que escalam os topos, e por mulas, utilizadas no transporte dos produtos que eles cultivam nas roças quase verticais.

A construção da hidrelétrica na região é um passo do governo colombiano para mostrar, enfim, a presença do Estado. A Empresas Publicas de Medellín (EPM) vem prometendo criar meios para melhorar a região e modificar a qualidade de vida das populações locais, proporcionando-lhe condições para a construção de escolas, aberturas de estradas pelas escarpas montanhosas e fornecendo água, saneamento e energia elétrica. É o que contam, por exemplo, Juan Carlos Cardenas Blanco, diretor administrativo e financeiro, e Regina Coeli Medeiros Xavier Rodrigues, gerente de engenharia, do Consórcio Ituango.

Hoje, naquelas áreas isoladas, os povoamentos se espalham, sem luz elétrica e sem água. O povo bebe água colhida nas bicas dos cordilheiras.

Quando cheguei, no mês passado, àquela região, para visitar essa obra da brasileira Camargo Corrêa, fui dando conta, aos poucos, da tensão que subsiste nos municípios e também entre algumas pessoas, nos canteiros da obra. Ali, muitos dos trabalhadores podem até estar sendo recrutados entre pessoas direta ou indiretamente ligadas às Farcs. Afinal, como se pode saber?

Ponderadamente, entre os responsáveis pela construção, a política correta é realizar contratações mostrando os benefícios de uma obra que tem um sentido coletivo de desenvolvimento regional. Mas, me perguntava, onde estão as Farcs?

Naquele momento, debilitadas por anos de violência e perseguição, com baixas enormes entre elas e as forças do governo, estavam buscando uma saída, para sobrevivência, mediante negociações com o governo colombiano, em Havana. Mais tarde vim a saber que elas estavam propondo que a Câmara de Deputados da Colômbia seja substituída por uma “Câmara Territorial”, na qual as regiões colombianas possam ter participação política maior e mais qualificada.

Na dúvida entre o maior ou o menor poder das Farcs é melhor não contemporizar. Embora em Ituango estejam instaladas duas bases, camufladas, do Exército colombiano, alguma tensão persiste. A tal ponto, que o gerente da obra evita sair do canteiro em determinadas horas do dia ou em horas determinadas, durante a noite.

Não sabia, mas durante a viagem que fiz de Medellín até lá, estranhava que a pessoa encarregada do transporte, em uma camioneta, mantivesse constante contato com a obra, indicando os quilômetros já percorridos e os sítios por onde estávamos passando. A presença persistente de motoqueiros nas proximidades poderia ser um acaso. Seria?

O motorista não parou em nenhum café ao longo do caminho; somente em um que, em seu entendimento, oferecia maiores condições de segurança. Tudo estranhável. Depois que eu visitei as obras e me inteirei das diversas etapas que viriam depois, o prezado engenheiro e amigo Reinaldo Lina criou os meios para que eu saísse de lá de helicóptero. Devo atribuir tal gentileza a uma questão de amizade. Ou seria por conta de uma questão de segurança? Tudo é possível, num mundo impossível.

(Nildo Carlos Oliveira)

Fonte: Revista O Empreiteiro


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