Paulo de Mello Bastos, recentemente falecido, tinha uma identificação muito forte com a cidade. Ele acompanhava o crescimento urbano e, em todas as oportunidades, defendeu um modelo que não permitisse o mergulho metropolitano no caos. Quando ouvia falar em mudanças em plano diretor cuidava de imediato de ficar em alerta e se municiava de todas as informações, convencido de que em cada proposta poderia estar embutida uma armadilha contra a cidade e a sua população. No geral, jamais se equivocava.
“Crescimento não é inchaço”, me dizia o mestre, homem de uma geração que aprendeu muita coisa: driblar as crises econômicas, sobreviver em um mercado que dispensa ideias e privilegia qualquer oportunismo, e conferir à política, nos anos de chumbo da ditadura, a dimensão que ela merecia, fortalecendo as alianças possíveis em favor da democracia.
Formado pela Faculdade de Arquitetura da USP em 1959, foi um persistente defensor da profissão. E considerável o profissional, nesse segmento, um ser que deveria estar aberto às ideias generosas de tudo o que pudesse ser atingido pelos benefícios do espaço construído. E, no caso dele, a relação entre a profissão e a atuação política possuía uma linha demarcatória quase invisível, talvez esgarçada. Sua militância política na fase da ditadura foi intensa, sobretudo dentro do departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil.
O seu dia a dia era, na prática, dedicado às tarefas de sua profissão e à defesa da cidade e de seu patrimônio. Tanto é, que estava na linha de frente do Movimento Defenda São Paulo.
Era cuidadoso nos projetos que elaborava. Estudava à exaustão todas as particularidades, indo fundo em pesquisa histórica a fim de que o projeto fosse marcado por uma continuidade e jamais por uma inovação de superfície, divorciada do meio ambiente e do processo natural da evolução urbana.
Dentre os seus projetos, um dos mais marcantes foi o do restauro da Catedral da Sé. Ali, nenhum pormenor, mínimo que fosse, passou por ele em brancas nuvens. E, o resultado final, documentado em livro técnico, deveria ser objeto de outro livro, este mais amplo, que eu e ele pretendíamos fazer e para o qual chegamos a colher o depoimento do cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes. Seu falecimento, em fevereiro último, significou um duro golpe na inteligência conectada em favor da arquitetura, das artes, da vida e da cidade.
Obs. Essa matéria, publicada na coluna Dimensões de O Empreiteiro de abril último, está sendo aqui republicada por solicitação de leitores.
Fonte: Nildo Carlos Oliveira