Otimização de misturas asfálticas com asfalto borracha

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Liseane Padilha Thives da Luz Fontes

O Brasil é um país que possui seu sistema de transportes apoiado essencialmente em rodovias. A idade avançada dos pavimentos rodoviários brasileiros e o eminente crescimento do tráfego e da ação das cargas (caminhões), cada vez mais intensos, têm levado os pavimentos flexíveis a um acelerado processo de deterioração no qual o uso de técnicas de reabilitação empregando materiais convencionais não mais alcançam um comportamento mecânico adequado, como mostram as Figuras 1 e 2.
Por outro lado, a utilização de asfaltos modificados constitui uma alternativa na busca crescente de novos materiais que melhorem as propriedades estruturais das camadas asfálticas e, consequentemente, do desempenho dos pavimentos flexíveis em serviço. É neste contexto que as misturas com asfalto borracha de pneus usados têm sido utilizadas para melhorar a capacidade estrutural de pavimentos novos e reabilitados ou restaurados, além de ser uma solução para o problema do depósito inadequado dos pneus usados. Apesar da tecnologia de misturar a borracha com o asfalto seja antiga em outros países, como por exemplo, os Estados Unidos, no Brasil ainda é uma novidade que precisa ser adequada às nossas peculiaridades regionais, como clima e tráfego, e também com as nossas matérias-primas disponíveis.
Uma mistura asfáltica com asfalto borracha (processo úmido) é aquela que foi convenientemente dosada pela mistura de agregados britados (miúdo, graúdo) e filer; e asfalto convencional (CAP – Cimento Asfáltico do Petróleo) no qual foi introduzida uma determinada quantidade de borracha moída de pneus usados. O consumo de pneus médio é de 1 pneu/m2 numa espessura de 5 cm
As principais propriedades das misturas com asfalto borracha são as seguintes:
– maior resistência ao envelhecimento e oxidação;
– melhoria da resistência à fadiga e propagação de trincas;
– maior resistência à deformação permanente
– redução do ruído (granulometria aberta);
– redução dos custos de conservação;
– maior resistência à desagregação;
– poupança de energia e de recursos naturais
A borracha dos pneus usados é previamente moída por meio de dois processos: criogênico (temperaturas inferiores a -120º C) e ambiente, sendo este último o mais utilizado no Brasil.
Mesmo com o emprego desta tecnologia nas rodovias (aproximadamente 2000 quilômetros), o Brasil ainda carece da avaliação adequada do comportamento mecânico de misturas asfálticas, ou seja, por meio de ensaios de fadiga, de deformação permanente (trilhas de roda) e de propagação de trincas. Ainda, torna-se imprescindível dimensionar as camadas dos pavimentos de forma racional, utilizando metodologias mecanicistas, que levam em conta o trincamento por fadiga e a deformação permanente.
A introdução da borracha no asfalto convencional (CAP), por meio do processo úmido, pode ser realizada através de dois sistemas, o continuous blend, que pode ser realizado na própria usina de asfalto em num tanque adaptado para este fim ou ainda em caminhões especiais e deve ser utilizado até 4 horas após a confecção; e, o terminal blend, produzido em unidade industrial. No Brasil, atualmente, é utilizado somente o terminal blend, cujo produto, o asfalto borracha, é totalmente estocável, uma vez que a mistura (asfalto e borracha) é feita por meio de potentes agitadores com um tempo de digestão de aproximadamente 6 horas, podendo ser introduzidos percentuais de borracha mais elevados que o outro sistema. A diferença entre utilizar o asfalto convencional e o asfalto borracha em uma usina consiste somente em se adaptar uma haste misturadora (tipo hélice) nos tanques aquecidos de asfalto.
Por meio do sistema terminal blend, os asfaltos borracha são produzidos com percentagens de 20 e 15% por peso de asfalto convencional. Para que o asfalto borracha resulte em um material com propriedades modificadas, é necessário que o sistema seja compatível, sendo que a borracha deve estar totalmente ou parcialmente digerida no asfalto.
Com o objetivo de contribuir para o estudo das misturas com asfalto borracha produzidos a partir do processo úmido, foi realizada em laboratório uma pesquisa experimental que avaliou as propriedades e o desempenho mecânico destas misturas, otimizando aquelas com a melhor capacidade estrutural, face à realidade brasileira. Para tanto, os materiais, como asfalto convencional, asfalto borracha e borracha brasileiros foram levados a Portugal, onde foram testados na Universidade do Minho (Portugal), centro de excelência europeu em asfalto borracha.
A pesquisa fez parte da minha tese de doutorado, realizada em co-tutela entre a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade do Minho. No Brasil, os trabalhos foram orientados pelo professor dr. Glicério Trichês e em Portugal pelos professores Ph.D. Paulo António Alves Pereira e Ph.D. Jorge Carvalho Pais. A bolsa de estudos em Portugal foi concedida pelo Programa Alban (Bolsas de Estudo de Alto Nível para América Latina) e no Brasil pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Os materiais (asfaltos e borracha) foram enviados pela Greca Asfaltos e os agregados (graníticos) britados portugueses apresentavam as mesmas características daqueles encontrados na região do Sul do Brasil (Florianópolis/SC). A Figura 3 apresenta a granulometria dos agregados.
De modo a comparar o desempenho mecânico das misturas asfálticas com asfalto borracha, comparativamente a uma mistura convencional, foram produzidas diversas misturas com granulometrias e asfaltos borracha dos dois sistemas e diferentes percentuais de borracha incorporada. Para comparar o desempenho dos materiais brasileiros, os asfaltos borracha portugueses foram igualmente testados. A mistura base utilizada para comparar com as misturas com asfalto borracha foi a CAUQ Faixa "C" (Concreto Asfáltico Usinado a Quente), especificada pelo DNIT e produzida com CAP 50/70 (especificação por penetração).
Asfaltos convencionais utilizados:
– CAP 50/70 (Brasil) – (BB) enviado pela Greca Asfaltos;
– PEN 50/70 (Portugal) – (BG);
– PEN 35/50 (Portugal) – (BC).
Foram utilizados dois tipos asfaltos borracha provenientes do processo úmido, produzidos em laboratório através do sistema continuous blend, e em unidade industrial, pelo sistema terminal blend.
Asfaltos-borracha utilizados:
– 15% de borracha (BB15) – terminal blend produzido pela Greca Asfaltos;
– 20% de borracha (BB20) – terminal blend produzido pela Greca Asfaltos;
– Continuous blend otimizado em laboratório com CAP 50/70 (Brasil) + combinações de asfaltos e borrachas (ambiente – Brasil / criogênica – Portugal), com 17% de borracha, num tempo de digestão de 90 minutos numa temperatura de 180ºC).
A sequência das figuras ilustra a produção do asfalto borracha em l

aboratório (Figura 4).
Foram realizados os seguintes ensaios:
– Ensaio de Penetração;
– Ensaio de Ponto de Amolecimento (Método Anel e Bola);
– Viscosidade aparente (viscosímetro Brookfield);
– Resiliência;
– Reologia;
– Envelhecimento RTFOT;
– MEV (microscopia por varredura).
As misturas asfálticas foram produzidas utilizando-se dois tipos de granulometria, dense graded e gap graded. As granulometrias dense graded (densas contínuas) utilizadas foram as seguintes: para a mistura convencional de referência Concreto Asfáltico Usinado a Quente (CAUQ), DNIT Faixa "C" (DNIT – ES 031, 2006); e, com asfalto borracha: Asphalt Institute AI tipo IV. Para as misturas gap graded (descontínuas) norte-americanas: mistura tipo ARHM-GG (Asphalt Rubber Hot Mix Gap Graded), de acordo com o Standard Special Provisions, SSP 39 400 (Caltrans – California Department of Transportation) e pelo ADOT (Arizona Department of Transportation), mistura AR-AC (Asphalt Rubber Asphaltic Concrete) de acordo com o ADOT Construction Manual, Section 414. A Figura 5 apresenta as curvas granulométricas utilizadas.
O trabalho apoiou-se no estudo das propriedades do asfalto e da borracha de pneus, na sua interacção e no comportamento mecânico (módulo, fadiga e deformação permanente) das misturas asfálticas produzidas com estes materiais. A Figura 6 ilustra a metodologia da pesquisa.
A otimização da mistura de melhor desempenho foi escolhida após o dimensionamento de um pavimento, no qual foi utilizada a análise empírico mecanicista. O efeito da propagação de trincas em misturas com asfalto borracha foi avaliado através da reabilitação de um pavimento, considerando a influência deste fenômeno.
Para determinação da resistência à fadiga foi utilizado o ensaio de flexão alternada em 4 Pontos (4PB) (AASHTO TP8/94), que simula o aparecimento do trincamento por fadiga devido à deformação de tração que se desenvolve na face inferior das camadas asfálticas. Os ensaios foram conduzidos em deformação controlada, temperatura constante de 20ºC, com a aplicação de um carregamento repetido cíclico sinusoidal (frequência de 10 Hz). A Figura 7 apresenta o equipamento.
Para cada mistura: ensaiados 9 corpos-de-prova em 3 níveis de deformação específica de tração: 200, 400 e 800×10-6 mm/mm (micro-deformação).
O critério de ruptura utilizado foi o decréscimo de 50% da rigidez inicial. Por meio do ensaio, o número de ciclos que origina a ruptura e extensão aplicada fornece uma série de pontos. A Lei de fadiga da mistura asfáltica segue o modelo determinado pela Equação , onde N é o número de ciclos que origina a ruptura, a e b são constantes experimentais e  a deformação específica de tração.

N = a 1 b
t

A Figura 8 mostra os resultados obtidos, para uma deformação de 100 x10-6 mm/mm. A mistura convencional está representada em branco (BBB) e as misturas de melhor desempenho foram aquelas com asfalto borracha do tipo terminal blend com 15% (IBB151) e 20% (ABB201 e CBB201) de borracha.
A resistência à deformação permanente foi o Ensaio de Cisalhamento Simples Repetido à Altura Constante (RSST-CH), de acordo com a AASHTO TP7-01. O ensaio RSST-CH é conduzido até que o corpo de prova atinja a deformação específica de cisalhamento que equivale a um valor limite para a trilha de roda de 12,7 mm. É então estabelecida uma lei de deformação permanente das misturas em função da temperatura. Os ensaios foram conduzidos a uma temperatura de 60ºC. A Figura 9 apresenta o equipamento utilizado.
A resistência à deformação permanente das misturas com asfalto borracha foi muito superior à mistura convencional de referência, como mostra a Figura 10, com os resultados obtidos.
Nesta pesquisa, foram realizados diversos outros ensaios, como propagação de trincas, draindown; textura (pêndulo britânico e mancha de areia), drenabilidade, adesividade. Para exemplificar, a Figura 11 mostra o resultado do ensaio de adesividade dos agregados com asfalto convencional, que encontra-se "lavado" e com asfalto borracha, que dispensa a utilização de aditivos melhoradores de adesividade (tipo dope).
Os resultados mostraram que, em relação à mistura convencional, produzida com asfalto convencional, a incorporação da borracha no asfalto produz melhorias consideráveis em termos de comportamento elástico e aumento da resistência à fadiga e da resistência à deformação permanente, além da capacidade de retardar a propagação de trincas.
O uso de misturas asfálticas com asfalto borracha mostrou constituir uma excelente alternativa para aplicação em camadas de revestimento de pavimentos flexíveis, proporcionando uma significativa melhoria da capacidade estrutural.
Complementando os benefícios do uso de misturas com asfalto borracha em relação à uma mistura convencional foi realizada, nesta pesquisa uma análise de custo/benefício. Com base na solução obtida no trabalho, a utilização de uma mistura com asfalto borracha em relação a uma mistura convencional conduziu à uma economia de até 32%, além da redução do custo fixo das instalações industriais e de mãodeobra.


Trabalho recebeu o prêmio de melhor
tese de doutorado em pavimentação

Liseane Padilha Thives da Luz Fontes é formada em Engenharia Civil, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 1989. Logo após a formatura, trabalhou durante 14 anos na iniciativa privada como engenheira executora de obras rodoviárias (pavimentação, terraplenagem e obras de arte correntes) e também como responsável por uma usina de asfalto, uma pedreira e uma britagem.
Em 2004, iniciou o Doutorado na UFSC, no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (áreas de Infraestrutura e Gerência Viária) e entrou em contato com a Universidade do Minho, em Portugal, de modo a fazer uma parceria para estudar as misturas betuminosas modificadas com betume-borracha, considerando que naquela universidade haviam equipamentos de laboratório que, na época, não existiam no Brasil.
Para tanto, concorreu a bolsa de estudos pelo Programa Alban (Bolsas de Estudos de Alto Nível para a América Latina) e foi contemplada. Assim, a UFSC e a Universidade do Minho efetuaram uma parceria através de uma co-tutela de modo que os ensaios de laboratório fossem desenvolvidos em Portugal, mas continuou a ser aluna da universidade brasileira, com defesa da tese em Portugal.
No Brasil, o trabalho foi orientado pelo professor dr. Glicério Trichês e em Portugal pelos professores PhD. Paulo António Alves Pereira e Jorge Carvalho Pais. Em 2010, o trabalho foi premiado pelo IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo, G&

aacute;s e Biocombustíveis) com o Prêmio de Melhor Tese de Doutorado em Pavimentação, correspondente ao biênio 2008/2010, concorrendo com todas as teses das universidades do Brasil.

Mistura morna asfáltica mostra
vantagens ambientais e técnicas

Rogério Vidal*

Embora encarada com certo ceticismo no início, esta tecnologia muda a imagem da pavimentação asfáltica, tornando-a mais adequada ao meio ambiente, sem prejuízo dos resultados técnicos. Trabalho do engenheiro Rogério Vidal, da Terex, e do engenheiro Armando Morilha Jr., da Mecpavi, detalha o potencial desse processo de espuma em usinas de asfalto.
Warm-mix asphalt (WMA), ou asfalto morno, serve para designar uma variedade de processos que produzem misturas asfálticas a temperaturas mais baixas-no intervalo entre 90 a 140o C, empregando espuma em usinas de asfalto a quente, aditivos minerais ou químicos. O limite superior da temperatura é apropriado para ligantes modificados e para misturas WMA que possuam altas percentagens de material reciclado de pavimento.
WMA permite produzir a mistura asfáltica na usina e efetuar a compactação a menores temperaturas, melhorando a trabalhabilidade da massa e otimizando sua compactação. Diminui a emissão de gases e CO2 e o consumo de combustível na usina.
A durabilidade do pavimento final pode ser potencializada pela melhor compactação, que produz menor volume de vazios. A usinagem a temperaturas mais baixas minimiza o envelhecimento do ligante asfáltico por oxidação, preservada a sua resposta elástica que contribui para a fadiga dos pavimentos. Possibilita que a pavimentação seja feita em regiões mais frias, ou em estações do ano de temperatura mais baixa, ou `a noite e a grandes distâncias.
Possibilita usar um volume maior de material reciclado de pavimento e asfaltos modificados a temperatura mais baixa. O trecho pavimentado pode ser aberto ao tráfego em menor tempo. Trabalhos de reparos feitos com WMA, mesmo que demorados, apresentam melhor qualidade.
A solução Terex para utilização do WMA simplifica a adaptação em usinas de asfalto, uma vez que apenas a linha de injeção do ligante asfáltico é modificada para dar lugar à injeção da espuma, resultante de um processo ocorrido no interior de uma câmara de expansão.
O processo de "espumação" WMA, mantendo o mesmo projeto especificado para a usinagem a quente, apenas insere em torno de 2% de água no total de ligante asfáltico, que será o reagente para uma expansão e criação de um ligante com consistência de espuma, potencializando suas características para um melhor envolvimento e aderência ao agregado da mistura (Figura 1 e Figura 2).
Baseado na experiência americana e no Brasil, percebe-se o interesse crescente das agências rodoviárias públicas pela tecnologia WMA, pela versatilidade do processo e pelos resultados alcançados. O processo ainda está sendo aperfeiçoado e seu custo por ora está acima da mistura a quente tradicional. As construtoras rodoviárias ainda estão cautelosas quanto ao seu uso. Ao que tudo indica, a tecnologia tem amplo potencial para se difundir a médio prazo, melhorando inclusive o perfil ambiental da indústria do asfalto. Os interessados também podem consultar o site
www.warmmixasphalt.com

*Rogério de Araujo Vidal, formado em Engenharia Mecatrônica pela PUC-RS em 2004, Especialista em Automação e Instrumentação Industrial pela ULBRA-RS, MBA em Gestão de Projetos pela ESPM-RS. Desde 2006 é Engenheiro do Produto Terex Roadbuilding, atualmente coordena a equipe de projetos em Usinas de asfalto, Solos, CCR, espargidores e tanques de armazenamento.

Fonte: Estadão


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