Passada a tragédia, trabalhos evoluem em compasso de espera

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No momento da tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, a prioridade era desobstruir ruas, salvar vidas e evitar novos desmoronamentos. Mas, a reconstrução, hoje, progride a passos lentos, sacrificando a população

*Rosane Santiago – Petrópolis(RJ)

A edição anterior da revista O Empreiteiro (OE 494) mostrou que a falta de planejamento urbano e de medidas geotécnicas de prevenção se refletiram no agravamento da tragédia ocasionada pelas chuvas torrenciais na região serrana do Estado do Rio. O impacto da tragédia mobilizou construtoras, engenheiros e outros profissionais, numa corrente que uniu poder público e iniciativa privada, no esforço para salvar vidas e, se possível, reverter um pouco a situação.


Um mês depois, contabilizados os números oficiais – 8 mil pessoas desabrigadas, mais de 900 mortos e quase 500 desaparecidos – a reportagem da revista volta ao local para verificar a quantas andam as obras de reconstrução. E verifica que ao menos a maior parte das cidades que foram atingidas, como Teresópolis, Petrópolis, Itaipava, Sumidoro, São José do Vale do Rio Preto, Nova Friburgo, Bom Jardim e Areal, ainda se encontram em estado de emergência.


O trabalho de prevenção de novas ocorrências é realizado sob a responsabilidade de quatro ministérios: da Integração Social, Ciência e Tecnologia, da Defesa e das Cidades. O da Ciência e Tecnologia disponibiliza três bases de radares meteorológicos: um que já está implantado no morro do Sumaré, no Rio de Janeiro e os demais previstos para Resende e Macaé. Deverão ser instalados até o final do ano de 2012.


O engenheiro geotécnico Luciano Jacques de Moraes, da Mecasolo Engenharia, diz que os três radares “vão permitir antecipar o que pode acontecer naqueles locais, áreas em que será dado o alerta.” Ele explica: “Temos que contar com um esforço conjunto entre poder público e população nessas horas. Mas precisamos contar com instrumentos de prevenção e de recuperação. E será necessária a agilidade no repasse dos recursos do governo federal para os estados e municípios, para que tenhamos resultados satisfatórios”.


A equipe de Luciano está trabalhando no desenvolvimento de projetos para a recuperação de mais de 400 encostas que deslizaram em Nova Friburgo. O engenheiro explica que “Nova Friburgo registrou muitos deslizamentos e um número elevado de óbitos; já em Bom Jardim o estrago maior foi ocasionado pelas enchentes e pelo transbordamento do rio local. Enfim, cada local requer, hoje, uma intervenção peculiar”.

Prefeituras terão que se reestruturar Em Bom Jardim, cidade totalmente destruída pelas enchentes, o governador Sérgio Cabral, que ali esteve acompanhado do vice governador e também secretário de Obras, Luiz Fernando Pezão, criou a Secretaria Extraordinária para a Região Serrana. O prefeito local, Affonso Monnerat, que assumiu esta secretaria, diz que tem pressa em andar com as obras de reconstrução, paralelamente aos trabalhos de buscas de corpos, que até fins de fevereiro último ainda prosseguiam.


Affonso Monnerat informa que as ações de reconstrução dos municípios atingidos incluem a verificação do volume de estragos nas residências; eventual localização de corpos; atenção às condições das encostas e a adoção de obras de contenção; reconstrução de vias urbanas, pontes e viadutos; obras pavimentação e de micro e macro-drenagem e desassoreamento de rios e córregos. Isso tudo precisa ser feito com a anuência e apoio das prefeituras, respeitando a autonomia de cada município.


Ele considera que, até aqui, a situação de Nova Friburgo é a mais difícil, “pois não encontramos áreas disponíveis para a construção de casas. O Vale do Cuiabá em Petrópolis já tem ajuda da iniciativa privada e Teresópolis conta com terreno para esse fim. Nossa preocupação, nestas áreas, é com o desenvolvimento de um bom trabalho de levantamento topográfico e de geologia, a fim de que não venham a ocorrer, ali, problemas semelhantes aos que concorreram para a tragédia”. O secretário extraordinário diz que “as prefeituras terão que se reestruturar e adotar providências para evitar que as pessoas retornem às áreas de risco.”

Brasil e as catástrofes
“Havia esse mito de que no Brasil não havia catástrofes. Mas, pela nossa experiência, podemos dizer que o Brasil não está imune a essas ocorrências. Por isso, precisamos planejar o futuro de modo a adotarmos medidas de proteção.” A opinião é do presidente da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop), Ícaro Moreno Júnior. Ele acha que “precisamos contar com áreas para construir 8.000 unidades habitacionais na região serrana atingida.”
Mas, levando em conta diversas interveniências, incluindo as questões ambientais, os terrenos disponíveis não permitiriam a construção desse volume de unidades. Por causa disso, “temos que reavaliar a região, pois até locais que não eram de risco, agora o são.” O governo do Estado vem mantendo contatos institutos de pesquisa e de ensino, como a própria Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para um trabalho de análise com vistas a encontrar soluções para esse problema.


Equipe daquela universidade, encabeçada pelo professor Alexandre Pimenta, esteve desde os primeiros dias da tragédia, nos sítios devastados, colaborando com o governo em um trabalho voluntário. O professor e sua equipe cadastraram casas, equipamentos urbanos, pontes e estradas vicinais destruídos.


Weber Figueiredo, vice-diretor da Faculdade de Engenharia da UERJ, diz que ” é do interesse da universidade colaborar com a Emop para ajudar na solução de problemas que envolvem a população”.


Inspirador da idéia da criação de parques fluviais na região, Ícaro Moreno fala de um outro problema que não é só do Rio de Janeiro: a desconsideração dos governos para com a Lei 9433, segundo a qual o espaço urbano tem que ser pensado de acordo com sua situação hidrográfica e toda urbanização da cidade tem que ser pensada de acordo com essa preocupação. Ícaro afirma que “se tivesse sido elaborado um plano diretor para a bacia hidrográfica da região e se ele tivesse sido obedecido, não teríamos tido uma tragédia dessa dimensão na Serra Fluminense”.


Outra equipe fundamental no processo de reconstrução é a do subsecretário de urbanismo do Estado, Vicente Loureiro: “Estamos preocupados. É uma demanda muito grande alojar 8.000 desabrigados. A reconstrução precisa ser feita e rapidamente.”


A Equipe da Secretaria de Urbanismo conseguiu um terreno contíguo à cidade de Teresópolis, a Fazenda Ermitage para construção de moradias e pensa em uma nova proposta de bairro. Explica Vicente Loureiro: “Ao redor do bairro poderemos criar um parque comunitário, do qual até outras pessoas da cidade possam usufruir.”

Estragos em rodovias
O superintendente geral da Concessionária Rota 116, David Augusto Brites Barbosa, informa que por conta da tragédia, a empresa “mobilizou todo o seu efetivo, inclusive convocando colaboradores que estavam de férias, para iniciar os trabalhos de reconstrução.” As empresas de engenharia Delta e Oriente, que operam na concessão, disponibilizou homens e máquinas para os trabalhos de desobstrução de pistas da Rota 116 e de acessos viários.
“Já no dia seguinte às chuvas, dia 12 de janeiro, tomávamos providências emergenciais para garantir a segurança dos usuários da estrada e dar fluidez ao tráfego, numa operação contínua que incluiu tapa-buraco, limpeza e sinalização”, conta Barbosa.


O impacto dos estragos foi de tal monta, que acarretou a interrupção do tráfego no km 102,5, onde ocorreu a queda da ponte sobre o Rio Grande – acesso a Bom Jardim e os demais municípios ao Norte. Houve obstruções também no km 75,2, quando a plataforma “estradal” foi reduzida a uma faixa de rolamento – sentido Norte. Os trabalhos de desobstrução e reconstrução da pista exigiram o emprego de retroescavadeiras, pás-mecânicas, escavadeiras hidráulicas, rompedor hidráulico e caminhões basculantes de 5m3 a 18m3.


David Barbosa narra as dificuldades no período do dia 12 a 24 de janeiro: “A sede da empresa esteve operando precariamente: a energia elétrica só foi restabelecida no dia 14; a telefonia fixa retornou à normalidade no dia 18 e a móvel só no dia 20; e só tivemos abastecimento de água no dia 24. Só tivemos contato com todos os nossos colaboradores, principalmente os da praça de pedágio 3, no dia 20 e muitos destes, aliás tiveram enormes perdas materiais”.


Face à instabilidade geomecânica dos taludes, os maciços que se romperam causaram 87 ocorrências entre leve, moderadas e graves – todas com interrupção parcial da pista de rolamento. David explica que 66 dos pontos críticos eram escorregamentos de corte e 16 relativos a escorregamentos de aterro.


“Além disso, o trabalho abrange outras dificuldades como obstrução de bueiros e afundamento de pistas de rolamento. Todo esforço, movendo toneladas de pedras, nos fez conseguir restabelecer as pistas em oito dias” relata Barbosa. “Era emergencial a reestruturação das estradas, já que o transporte de remédios, remoção de pessoas, maquinaria para retirar escombros e desobstruir outras vias, tinham que necessariamente passar pela RJ 116.”

Energia
O diretor regional da concessionária Energia Nova Friburgo, Amauri Antônio Damiance, diz que a empresa conseguiu normalizar o fornecimento em 36 horas a pelo menos 70 % do município. Ele informa: “A primeira iniciativa foi correr todos os troncos de nossos alimentadores, identificar os pontos que não podiam ser utilizados por condições de segurança. Fizemos a transferência de carga para a estação de Julio Zarpe, que estava intacta, e dela atingimos toda a rede que podia ser alimentada.”


A empresa mantém o plano de investimento para este ano ( R$ 12 milhões ). Amauri admite que “talvez não consigamos fazer todas as obras previstas ainda este ano, por conta dos percalços com as chuvas. Mas pretendemos realizar tudo o que estava planejado, até o final de 2011”.

Fonte: Estadão


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