As enchentes voltaram. E vão continuar a voltar. As tragédias vão se repetir nos mesmos locais onde têm ocorrido ciclicamente. E as providências serão continuamente as mesmas: obras que não resolvem os problemas de fundo e que, muitas vezes, apenas preparam o terreno para que as tragédias anunciadas voltem a acontecer.
Foi assim em Santa Catarina, da mesma forma como têm sido assim no Rio Grande do Sul e em regiões do Norte e Nordeste, algumas com mais e outras com menos intensidade, mas todas elas provocando graves prejuízos materiais e humanos. Em Santa Catarina constatou-se a obsolescência secular do sistema de monitoramento das cheias da bacia do Itajaí.
Em outras regiões, embora haja se apurado que as enchentes voltaram em circunstâncias semelhantes às anteriores, e por conta de causas idênticas, adotaram-se soluções já conhecidas e, portanto, inócuas, sempre sob o argumento de que não se pode lutar contra as leis da natureza. Esquecem, os especialistas que primam por alegações do gênero, que não se pode lutar contra as leis da natureza, mas que tudo tem sido feito, no quotidiano das cidades, das estradas e dos campos, para subverter essas leis, sem o planejamento adequado para canalizá-las em favor do que hoje se chama de "sustentabilidade".
O exemplo maior do que tem sido feito equivocadamente para se evitar os prejuízos das enchentes, talvez seja a cidade de São Paulo. Os erros não vêm da atual administração, nem da anterior ou de outras. Vêm do início do crescimento da cidade. Hoje e ontem, as várias administrações que se sucedem tentam corrigir os erros antigos, mas repetindo erros novos. E o erro fundamental é o seguinte: o crescimento corre solto, à frente do planejamento.
É possível que a culpa maior seja das administrações mais recentes. Elas conhecem, mais claramente identificados, os logradouros em que há incidência de enchentes na época das chuvas. E têm, de sobra, documentos sobre as áreas de risco onde infalivelmente haverá perdas de vidas humanas, no caso de catástrofes. Mas, depois das chuvas, vêm o sol e, com o retorno da pseudo normalidade, a lembrança da tragédia vai recuando nos escaninhos da memória da administração.
Imaginava-se, desta vez, que o Tietê não transbordaria. Mas transbordou. E os mesmos tradicionais pontos de alagamento voltaram a ser alagados. O poder público sai à frente, não para justificar a inoperância do trabalho feito ou a falta de investimentos para que ele pudesse ser realizado; mas para se defender, como se a questão das enchentes tivesse um viés partidário.
O fato é que a administração alega estar ampliando as calhas dos rios e córregos; desassoreando os cursos d´água, canalizando os córregos e removendo sedimentos e esgotos; eliminando pontos de estrangulamento de infiltração e retenção de águas pluviais e construindo piscinões. Simultaneamente, no entanto, não impede a ocupação anárquica do solo urbano; não evita a intensa impermeabilização do solo e permite que toda sorte de detritos seja canalizada para o leito apodrecido do rio Tietê. O exemplo mais difundido, nesse sentido, é o município de Guarulhos, que joga toda a sujeira in natura no leito do rio.
Ao longo de todo o tempo, o Tietê é um rio que tem sido excluído dos planos de crescimento da cidade. Isso acontece aqui e acontece ao longo dos 39 municípios que compõem a Grande São Paulo. Outros rios do mundo, que convivem com o crescimento urbano das metrópoles por onde passam, são incluídos no planejamento desse crescimento e até o potencializam, uma vez que são aproveitados no turismo e na qualidade de vida de seus habitantes. Por aqui, não. Por aqui, ele só tem servido como escoadouro de esgoto e outras misérias. Enquanto esse equívoco prevalecer, continuará a recorrência das enchentes. E a recorrência do planejamentos inócuos.
Fonte: Estadão