Solidariedade reconstruirá São Luís do Paraitinga

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João Yussa

Cidade que simboliza o último reduto caipira de São Paulo, São Luís do Paraitinga tinha pouco mais de 400 imóveis tombados pelo patrimônio histórico, devido à concentração de prédios com arquitetura colonial. Desde que começamos a frequentar a cidade, fala-se dos mesmos números demográficos: 10 mil habitantes, sendo 60% na zona rural e 40% na cidade.
No dia 5 de janeiro, pudemos sair de casa. Deslizamentos bloquearam as estradas de terra de acesso ao sítio, ficamos sem luz e sem telefone. E aí pudemos constatar, consternados, a destruição da cidade. A grande igreja Matriz de São Luís de Tolosa, na principal praça da cidade, casarões assobradados, a igreja mais antiga de Nossa Senhora das Mercês e centenas de casas ruíram e foram levadas pelas águas do rio, que subiu mais de 10 metros e encobriu as partes baixas da cidade.
Parece ter sido em vão o esforço de preservação, com quaisquer reformas tendo que ser aprovadas pelo Condephat, caminhões pesados impedidos de circular pelas ruas da cidade, trabalhos de restauração e outras medidas. Tudo parece ter ficado muito pequeno e irrelevante, diante do volume de água, lama, detritos, animais e aves mortas. Só se teve notícia da morte de uma pessoa, de fora da cidade, na zona rural, que teria sido soterrada. Não houve o registro de mais perdas humanas, graças ao trabalho do pessoal das empresas especializadas em rafting que, no silêncio da noite e da madrugada, gritavam: "Tem alguém aí?", para resgatar em seus barcos infláveis centenas de crianças, jovens, adultos e velhos, retirando-os pelas janelas do segundo andar e também pelos telhados.
Voltamos no sábado, dia 8, para entregar um medicamento que uma amiga nos pediu. Fomos até Ubatuba buscar e tivemos de entrar na cidade à pé, sob um sol escaldante. Vimos as ruas da cidade com montanhas de entulhos, móveis, roupas, eletrodomésticos, computadores, impressoras, utensílios domésticos e o cheiro fétido, o ar abatido das pessoas tentando limpar suas casas. No telhado do tradicional mercado, um freezer e armários que devem ter flutuado.
No topo das árvores das margens do rio, móveis e roupas. Uma verdadeira praça de guerra onde circulavam carregadeiras, tratores e muitos caminhões basculantes, que prefeituras, empresas de mineração e de transporte enviaram para ajudar na limpeza da cidade.
Na zona rural, muita gente ficou isolada, pois houve deslizamentos, não tão grandes como o de Angra dos Reis, mas suficientes para impedir a passagem de automóveis, como foi o caso no nosso bairro. Ficamos isolados sem luz e sem telefone por quatro ou cinco dias. Só com a ajuda dos trabalhadores rurais foi possível abrir passagens precárias para um automóvel.
Agora, dez dias depois da inundação, já tem máquinas trabalhando nas estradas rurais. Ouvimos promessas de ajuda dos governos federal e estadual, de empresas, de financeiras, dos fornecedores, de organismos públicos, na tentativa de reerguer a cidade, cujas ruas ficaram "banguelas": onde havia casas, sobraram buracos, só terrenos baldios. A Vale também teria manifestado interesse em ajudar na reconstrução, segundo comentários que circulam na cidade.
Após a fase da comoção, e de tirar a sujeira, começa a rondar a preocupação pelo futuro. Muitos comerciantes já decidiram que não vão reabrir suas portas. A estagnação da economia da cidade será seu novo adversário. Ela se baseava no comércio, alguns serviços e turismo. O período de retomada será de dois a três anos na previsão de alguns. A redução de empregos trará seus impactos, dizem outros. São Luís do Paraitinga será mais uma cidade morta do vale do Paraíba, dizem os mais radicais.
As águas que encobriram a cidade parecem ter lavado as diferenças econômicas e sociais, nivelando toda a população urbana, do mais abastado ao mais carente, enfrentando a mesma tragédia, solidarizando-se e ajudando-se mutuamente na desgraça. Quem sabe, aí esteja o fio da meada para a reconstrução de uma cidade mais aberta, fraterna e solidária.

*João Yuasa é jornalista profissional desde 1967. Em busca de qualidade de vida, deixou São Paulo e se encontra, desde 2004, vivendo com Maria Helena, sua esposa, em um sítio que possui desde 1973, no alto da Serra do Mar, a 30 km da cidade de São Luís do Paraitinga. Presta serviços à Associação Brasileira de Engenharia Industrial, desde 1977, e à Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, desde 2004.

Fonte: Estadão


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