Ele mantém todas as suas ideias de pé. Defende-as com unhas e dentes. Pode até ser suscetível de dúvidas prévias eventuais. Mas, depois de cotejá-las sob os ângulos que a sua ampla cultura geográfica e humanística permite, e de tomar a decisão que considera correta, não há quem possa abalar a estrutura de seus pensamentos.
Assim é o perfil do geógrafo Aziz Ab’Saber, esse polêmico cidadão de São Luís de Paraitinga (SP), que em outubro próximo completa 87 anos. Autor de livros consagrados sobre o Brasil, dentre eles Ecossistemas brasileiros; Amazônia: do discurso a praxis e O homem na América Tropical, ele acaba de ser indicado, pela União Brasileira de Escritores (UBE), para receber o Prêmio Intelectual do Ano (troféu Juca Pato), no congresso que a entidade promoverá em Ribeirão Preto (SP), em novembro próximo.
Reconhecido pelo trabalho realizado ao longo dos anos – já recebeu o Prêmio Internacional de Ecologia de 1998 e o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente de 2001 –, o velho Dom Quixote das causas brasileiras conferiu à geografia um patamar científico que enriquece os estudos do País, nessa área, ao lado das pesquisas de seu colega e amigo, falecido em junho de 2001, Milton Santos.
Ambos são responsáveis pela renovação dos estudos da geografia no Brasil. E, ambos, demonstraram que essa matéria não se dissocia dos grandes movimentos humanos na construção das cidades e das obras que são realizadas, do ponto de vista de infraestrutura, para garantir a evolução da sociedade. Com Aziz Ab’Saber se aprende que a geografia não se resume aos estudos dos elementos físicos, mas vai além disso, colocando a condição humana como objeto central no espaço do mundo.
Várias polêmicas marcaram, até hoje, a vida do sábio Ab’Saber. Vou citar apenas algumas:
• Em meados de 1970, o governo Paulo Egydio Martins pretendia construir o aeroporto internacional em Caucaia do Alto, única reserva florestal na zona oeste da Região Metropolitana de São Paulo. Era terreno público e não haveria necessidade de desapropriações. Sondado pela comunidade do Embu sobre isso, o geógrafo estudou a região e se manifestou: ‘É um absurdo. Estão querendo pôr o aeroporto nos altos aplainados de morros acidentados, sem considerar a biodiversidade e as aguadas ali preservadas…’ Seus argumentos foram tão decisivos, que o então presidente Geisel, inteirado da controvérsia, acatou a sugestão do geógrafo e o aeroporto acabou construído onde hoje está: Guarulhos.
• Criticou a transposição das águas do rio São Francisco até à exaustão, a partir dos projetos iniciais e duvidando da eficácia da obra: “… bons projetos são todos aqueles que atendem às expectativas de todas as classes sociais regionais, de modo equilibrado e justo, longe de favorecer apenas alguns especuladores contumazes.”
• Sobre a proposta do deputado Aldo Rebelo para mudar o então Código Florestal: “O código proposto reflete o desconhecimento do deputado e dos governantes sobre a importância da floresta para o equilíbrio ambiental e as consequências de uma destruição do bioma.”
• Sobre a conferência do clima, em Copenhague: “É uma farsa. Em um lugar com mais de 1.000 pessoas para discutir, não pode haver debate ou questionamento”.
• E sobre as discussões, ocas, sobre o meio ambiente no Brasil: “Nós precisamos aprender a contestar os idiotas”.
A via elevada sobre a Marginal
O projeto da via elevada na marginal direita do Tietê, com tratamento urbanístico local, foi considerado viável, na época, em razão da experiência brasileira no uso da tecnologia do concreto
Frase da coluna
“A proposta de uma via elevada para a marginal direita do Tietê é racional, na medida em que cuida de preservá-la, colocando-a a favor de um uso mais adequado do que aquele para o qual se presta atualmente: ela é totalmente ocupada pelo sistema viário em operação”.
Fonte: Estadão