Nildo CarlosOliveira
Ao descer em Confins, o engenheiro de uma tradicional construtora mineira me recebeu e recomendou: "Você precisa parar com essa pressa. Fique mais um dia por aqui e aproveite para conhecer uma ponte".
Conhecer uma ponte? Com larga quilometragem de andanças por este País, anotando coisas da engenharia, pontes são possivelmente o que eu mais tenho visto até hoje. Ele insistiu: "Essa é diferente. Não se trata de mera ligação entre acidentes geográficos. É moderna, foi construída com pilares esbeltos, transpõe pedaços de montanha e seguramente é a mais nova dentre aquelas construídas recentemente na região. A diferença é que ela é uma ponte fantasma."
No dia seguinte vencemos um trecho da BR-040. O engenheiro parou o carro à margem da rodovia, nas proximidades de Congonhas. Lá estava ela, aparentemente bem-acabada, sugerindo mais um bom trabalho da engenharia rodoviária brasileira. Com 460 m de extensão, 60 m de altura e 21 m de largura, fora construída para substituir, em linha reta, o viaduto projetado, em curva, em fi ns da década de l940, pelo engenheiro Sérgio Marques de Souza, para transpor o Córrego Monjolo.
Inaugurado pelo então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, o viaduto, um avanço da engenharia na época, foi ficando desatualizado, obsoleto e, com o passar dos anos, em razão do aumento do tráfego e dos acidentes que ali se amiudaram, acabou perdendo o nome original de Viaduto Vila Rica, para tornar-se nacionalmente conhecido pela alcunha popular de Viaduto das Almas. Segundo moradores da região, chegam a mais de 200 os mortos nos acidentes ocorridos ali, desde que o viaduto foi inaugurado. Daí, a justificativa do apelido sombrio.
"Mas, agora, com essa ponte, a obra antiga está defi nitivamente aposentada, não?" – "Não", me respondeu o engenheiro, "o problema continua. A nova ponte se encontra isolada nas montanhas. Foi construída sem acesso. Ninguém pode chegar até lá, a menos que se arrisque pelos precários caminhos de serviço".
Mais tarde vim a conhecer, por intermédio de matéria do jornalista Henrique Lobato, de O Estado de Minas, mais pormenores dessa história. O projeto da nova ponte foi elaborado em 1998, mas a sua construção só começaria em 2006. Eram previstas duas obras – a estrutura e a variante – que deveriam ser feitas simultaneamente.
Contudo, ainda no curso da execução, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), precisou alterar o traçado da variante, devido a uma erosão. Para que o traçado, por conta desse problema, fosse corrigido, haveria a necessidade de um acréscimo no valor do contrato. Resultado: a obra de arte foi concluída, mas os acessos sequer foram iniciados. Eles estão na dependência de outra licitação, e talvez só fiquem prontos em 2010.
Serão novos capítulos de uma novela que vem se arrastando há muitos anos. Em 2002 uma empreiteira paulista conquistou a primeira colocação na concorrência para construir a nova ponte. Como não houve dotação orçamentária para esse fim, ela desistiu da obra, abrindo caminho para a segunda colocada, a M. Martins, que fez a construção mas sem poder, contratualmente, realizar os acessos.
Hoje a situação é a seguinte: o Viaduto das Almas continua entregue ao tráfego e a justificar, com os desastres de rotina, o apelido com o qual ficou nacionalmente conhecido. Enquanto isso, a nova ponte, por falta de acessos, é apenas uma obra que liga o nada a coisa nenhuma. É, por ora, uma curiosidade da engenharia.
Fonte: Estadão