União nacional – comunidades e governo – posta à prova

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A mesma natureza que nos brinda com a vida, também é responsável por algumas tragédias devastadoras. E como superar isso? O plano para reconstruir cidades e recuperá-las dos danos sofridos tem uma fórmula:comunidades inteiras engajadas em ajudar o próximo, mais um governo com projetos que amenizem os estragos o mais rápido possível é igual a “Um país unido reconstrói melhor”

*Vanessa Vignati, Chile
 

O Chile provocou novo “terremoto” para consolidar seu crescimento e reerguer-se. Em apenas um ano, mostra que tudo é uma questão de “arregaçar as mangas”. “A colaboração pública e privada somada ao esforço de descentralização, em que cada localidade, administração e comunidade fizeram e continuam a fazer um trabalho em conjunto é o que está possibulitando um rápido avanço no país como um todo”, diz Pablo Allard, coordenador nacional de reconstrução urbana do Chile.


Dois minutos e quarenta e cinco segundos. Cidades destruídas, mais de 500 mil moradias arrasadas e 521 vítimas fatais. O terremoto do Chile, considerado o segundo mais forte do país, superado apenas pelo Valdivia em 1960, alcançou magnitude de 8,8 na escala Richter em 27 de fevereiro de 2010 e foi seguido por maremotos e centenas de réplicas, algumas delas sentidas em outros países como Argentina e Brasil. O epicentro situado no Mar Chileno, originou tsunamis arrasando grande parte da costa, com ondas superiores a 8 metros de altura. O alerta de maremotos se estendeu posteriormente a 53 países.


Quatro anos para a reconstrução e reparação de 1.200 pontos da infraestrutura afetados, principalmente na região sul. Esse balanço foi realizado pelo Ministério de Operações Públicas (MOP) uma semana após a tragédia. Para conseguir atingir essa meta, o governo aumentou impostos sobre empresas, utilizou fundos soberanos, reajustou orçamentos e contou com doações de empresas privadas e de outros países.


Passado quase um ano, o Comitê de Reconstrução afirmou que 97,3% da infraestrura pública está reparada. Hernân de Solminihac, ministro de Operações Públicas, anunciou em novembro de 2010, que os 300 pontos situados na área mais afetada, que está entre Santiago e Temuco, foram totalmente ou parcialmente solucionados. A previsão para resolver os problemas de conexão que afetaram a Ruta 5 Sur é para junho deste ano.


“O sismo permitiu a reconstrução de cidades com infraestrutura melhor, chamando a atenção para regiões que estavam sendo deixadas de lado e necessitavam de avanços em obras urbanas. Essas localidades ganharam melhorias na infraestrutura e melhorias econômicas também. Existem cem Planes Maestros projetados para 25 localidades diferentes, os quais incluem um subsídio financeiro para pequenos empresários e comerciantes. Isso gera a retomada da economia”, afirma Pablo Allard.


O plano para reconstruir um país que resista a novos terremotos, contando com a iniciativa de empresas privadas, está em execução. Mas, e se os sismos forem acompanhados de tsunamis? No artigo Temblor austral. Lecciones del sismo de Chile publicado na revista espanhola Arquitectura Viva pelo arquiteto chileno Alejandro Aravena, a questão abordada é outra: Como enfrentar um maremoto? Segundo ele, o urbanismo no país deverá sofrer mudanças, incorporando defesas à frente ao mar, com bosques dissipadores de energia, zonas de topografia artificial acidentada que aumentem o atrito com as ondas, tudo isso combinado com sub-bosques capazes de deter escombros e materiais soltos, que trazem os maiores riscos para a população.


“Estamos utilizando a mesma tecnologia anti – tsunamis do Japão. Estamos reconstruindo as cidades costeiras com muros, árvores e solo mais resistentes, que ajudem a absorver a energia da onda. Os primeiros andares dos prédios habitacionais serão executados com materiais mais resistentes, ou seja, a água atravessa o apartamento, mas não consegue destruí-lo. Amortizando os primeiros impactos de um possível tsunami, as pessoas terão mais tempo de desocupar suas casas e buscar um refúgio seguro. No caso de deficientes físicos, eles poderão subir ao segundo andar que também estará projetado com estrutura resistente, para se protegerem”, explica o coordenador nacional de reconstrução urbana do Chile.

80 mil famílias atingidas


Cento e seis aldeias de emergências foram implantadas para alojar as 4.291 famílias desabrigadas. 95% das 80 mil famílias que tiveram suas moradias atingidas pelo terremoto, continuaram instaladas no mesmo local, e receberam casas pré- fabricadas, ligação de luz e água. O plano de reconstrução Chile Unido Reconstrói Melhor tem como foco reparar e melhorar as moradias danificadas, junto a um plano de investimentos financeiros e social. Muitos voluntários chilenos se mobilizaram para ajudar a construir casas e prestar socorro às vítimas.


O Ministério de Vivenda e Urbanismo anunciou oito meses depois do desastre natural que utilizará tecnologia moderna anti-sísmica desenvolvida pela companhia Sirve, empresa de engenharia ligada à Escola de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica do Chile para reerguer a Vila 26 de Setembro, localizada em Santa Cruz.


O coordenador nacional do programa de reconstrução de moradias, Pablo Ivelic, explicou que serão construídos oito edifícios de quatros andares dotados de amortecedores isolantes em suas fundações, para absorver 80% dos efeitos mais destrutivos do tremor sísmico. Este mesmo procedimento foi aplicado na Faculdade de Engenharia da Universidade Católica e no novo Hospital Militar da Rainha. “Este é um projeto piloto para avaliar a possibilidade de novos projetos de moradias com outros tipos de tecnologia anti – sísmica. Quero deixar claro que todas as moradias que estão sendo construídas já apresentam as normas anti -sísmicas superiores ao código de construção vigente no último terremoto. As residências da Villa 26 de Setembro, devido aos amortecedores isolantes, terão reduzido o impacto na estrutura dos edifícios, móveis e pertences pessoais”, esclarece Pablo Allard.


O conjunto habitacional 26 de Setembro, edificado em 1996 mediante o programa de moradia básica do governo, teve um dos 28 prédios inteiramente destruído e os outros ficaram danificados. Com este novo projeto, 192 famílias se beneficiarão ainda de melhorias arquitetônicas como o aumento de área dos apartamentos de 42 para 60 m2 e a incorporação de varandas. Outras famílias que habitavam o condomínio puderam escolher levantar suas casas em outros terrenos na mesma localidade.


Entretanto, há quem critique os projetos de reconstrução. Segundo Alberto Gurovich Weisman, professor investigador do Departamento de Urbanismo da Universidade do Chile, o tema qualidade de vida para as vítimas do terremoto não foi considerado prioritário. Em algumas localidades muito destruídas, como Talca, os cidadãos reivindicaram esta questão. O mais grave é que a Divisão de Desenvolvimento Urbano do Ministério de Vivendas ignorou estas reclamações da população. As poucas reivindicações acolhidas tiveram sua vigência limitada a cinco e dez anos. Isso tende a agravar as diferenças de desenvolvimento entre os municípios atingidos pelo sismo e os que estão fora da região atingida”.

Agricultura e vinho
O cumprimento da meta governamental de reconstruir 100% da infraestrura de irrigação de 170 mil hectares, onde trabalham 18 mil agricultores afetados pelo terremoto, nas regiões de Valparaiso y La Araucanía, foi anunciado em dezembro pela ministra secretaria geral de governo, Ena Von Baer, junto ao ministro de Obras Públicas, Hernán de Solminihac, e o subsecretario de Agricultura, Álvaro Cruzat. “Depois do terremoto, grande parte da nossa infraestrutura de cultivo por irrigação se viu afetada e colocou em perigo o abastecimento de frutas e verduras.


Catorze canais e cinco pequenas represas foram danificados com o sismo, dentre as quais a Lliu-LLiu, na região de Valparaíso; Millahue, na região de O’Higgins; Tutuvén, na regiao del Maule, Coihueco, na região do Biobío; o Canal Cumpeo e os canais matrizes de Maule Norte, e Biobío Norte e Sur. O custo calculado para reparar os estragos na infraestrutura de irrigação, foi de US$ 58,5 milhões.

Concepción e Santiago
Os terrenos arenosos combinados com as falhas geológicas de Concepción não suportaram os tremores. As construções antigas de alvenaria foram as maiores vítimas, a tal ponto que 95% delas deverão ser demolidas. Na cidade alguns dos mais recentes empreendimentos imobiliários não foram capazes de resistir ao tremor. É o caso do conjunto de escritório Torre O´Higgins, concluído poucos meses antes do terremoto, e o mais alto da cidade. Ele recebeu amplos danos estruturais. O prédio de 15 andares, Borde Río, construído em 2009, também desmoronou.
Em nove de fevereiro deste ano, a Construtora JCE S.A. ganhou uma licitação do MOP de US$ 1,5 milhão para demolir cinco edifícios de Concepción danificados pelo terremoto, dentro de um total de 15 estruturas afetadas pelos tremores.


Com 2,310 m, o viaduto mais extenso do Chile, projetado pela companhia inglesa E.W.H. Gifford & Partners, o Juan Pablo II, já registrava sinais de deficiências em seu estado de conservação quando sofreu graves danos com o sismo. A recuperação da ponte foi finalizada em outubro do ano passado, com uma pista nova adicional no sentido Concepción – San Pedro de la Paz.


Desenhado pelo arquiteto Emilio Duhart, o edifício da Faculdade da Química de Concepción, foi vitima de um grande incêndio ocasionado pelo sismo. A estrutura se manteve estável e o governo alocou US$ 5 milhões para recuperar esta importante obra de arquitetura moderna. E as melhorias na área educativa não pararão por aí. Em fevereiro de 2011 foi noticiado que US$ 550 milhões serão investidos nas universidades chilenas e 80% dessa cifra irá para as instalações físicas.


Santiago, onde se situa o maior número de universidades, tem programada a construção de um novo prédio na Faculdade de Ciências Físicas. Ao total 59 edifícios públicos necessitam ser reparados ou reconstruídos em Santiago. O engenheiro e intendente da região metropolitana, Fernando Echeverría, está buscando recursos para custear os US$ 86,3 milhões estimados para essas obras. Essa cifra representa 18% dos US$ 486 milhões que custará a reconstrução da cidade até 2014. Depois do setor habitacional, os monumentos são os que mais demandam recursos. A Intendência pretende captar dinheiro no setor privado.


A Mitsubishi contribuiu com US$ 52 mil para os reparos da Casa de Cultura de San Bernardo. Já a sede do Museu de Arte Contemporânea Parque Florestal iniciou no final de janeiro a restauração da fachada. Por meio da Lei de Doações Culturais, o Banco Itaú Chile e a Intendência Metropolitana entraram com metade dos US$ 351 mil necessários para as obras. O restante foi custeado pelo Programa de Apoio de Reconstrução do Patrimônio Material do Conselho de Cultura. Francisco Brugnoli, diretor do MAC, destacou que essa restauração tem um grande significado cultural, pois recupera a memória do país e isso transcende para toda a nação. Os escombros já estão sendo retirados e os danos serão avaliados.


Durante os próximos três meses, os arquitetos especialistas em patrimônio artístico, Ricardo Neira, do MOP; Ariel Núñez, da Corporação para o Desenvolvimento de Santiago e Ignacio Covarrubias, da Faculdade de Artes da Universidade de Chile, realizarão o projeto de reconstrução da fachada.


O MAC Quinta Normal tem a reinauguração prevista para março. A rápida restauração foi possível graças a uma doação de 250 mil euros realizada pelo governo alemão, por meio de seu Fundo de Conservação de Monumentos Culturais.


Mesmo diante deste desastre natural no Chile,um estudo realizado pelo jornal norte americano The New York Times garantiu que Santiago é o melhor lugar para se visitar em 2011. Segundo Patricio Ovalle, diretor do Centro de Competitividade da Universidade do Pacífico, esse fato se deve ao próprio terremoto e ao salvamento dos mineiros na mina de San José, que geraram expectativas a nível mundial e todos querem saber o que está acontecendo com o país. A lista do NYT que inclui 41 outras cidades se refere à capital chilena como a cidade que abraça a cultura moderna, destacando o Centro Gabriela Mistral (GAM), o Museu da Moda e o recém-aberto The Aubrey Boutique Hotel. Já arrumou as malas

Impacto na economia

A área em que se concentravam 70% da produção de vinhos no Chile também foi afetada. A principal organização empresarial do setor, a Vinos de Chile, declarou que 12,5% do produto armazenado haviam se perdido, devido aos fortes tremores, o que ocasionou um prejuízo de 183 milhões de euros. O país, segundo as Nações Unidas, foi considerado o décimo produtor mundial de vinho em 2008.


Apesar de os setores ligados a agricultura terem passado por dificuldades em 2010, a exportação de vinhos engarrafados subiu 12% e a uva de mesa, principal fruto de exportações, teve um aumento de 4,1%, de acordo com a ProChile.

O metal vermelho continua soberano

Em janeiro de 2011 a economia chilena teve um superávit de US$ 2,175 bilhões, por conta da exportação do cobre cresceu 8,3% (em valor) no primeiro mês do ano.


Responsável por 29% do cobre produzido em todo o mundo, segundo o banco britânico Barclays, o minério chileno registrou alta de 6,2% um dia após o sismo,(a maior em 11 meses), quando as operações nas quatro minas mais importantes do país, foram suspensas. Elas correspondem a 20% de todo o minério produzido na região.


Esse aumento no valor do minério vermelho somado à recuperação econômica mundial refletiu-se numa maior demanda de outros produtos chilenos. De acordo com informações de ProChile, 2010 foi um ano recorde de exportações para o país.


O Chile que em 2009 somou US$ 53,735 bilhões no comércio exterior, no ano passado elevou a cifra a US$ 69,621 bilhões, representando um avanço de 30%. A celulose, o segundo produto de exportação também experimentou altas no mercado. Os preços subiram 52% em 2010 devido aos danos sofridos pelas plantas de celulose após o terremoto.

Fonte: Estadão


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