Dois terços do Trecho Sul do Rodoanel estão prontos, embora ainda existam pendências com desapropriações que, segundo o governo estadual, não vai prejudicar o cronograma de entrega, adiantado de março de 2010 para dezembro de 2009.Segundo o departamento jurídico da Dersa, órgão estadual responsável pela obra, o projeto previa desapropriar 11.343.900 m de área em São Bernardo do Campo, Mauá, Santo André, São Paulo, Embu e Itapecerica da Serra, sendo que 11.133.744 m2 foram executados e o restante deve ser liberado para obras no primeiro semestre de 2009.
O trecho Sul irá conectar as rodovias Anchieta, Imigrantes e Régis Bittencourt que, somadas às interligadas pelo Trecho Oeste (Raposo Tavares, Castello Branco, Bandeirantes, Anhanguera), perfazem um total de sete das 10 rodovias que chegam a São Paulo. Depois da construção do Trecho Oeste, o início do trecho Sul foi adiado várias vezes por conta do impasse com respeito ao seu impacto ambiental, uma vez que a obra cruza o mais importante trecho de Mata Atlântica do Estado, assim como as represas Billings e Guarapiranga, principais mananciais da cidade. Só após o atendimento a diversas medidas complementares – como a criação de dois parques, alterações no traçado e uso de sistemas construtivos especiais – é que a obra pode finalmente ser iniciada, em 2006.
Dividido em cinco lotes, o trecho Sul possui 61,4 km de extensão, cortando áreas de mananciais e habitadas. Em virtude da questão ambiental, o trajeto originalmente de 54 km do Rodoanel foi ampliado, de modo a ser ele mesmo uma barreira para a ocupação das áreas de mananciais, isolando e preservando a mata atlântica ali existente.
O lote 1 ficou a cargo da Andrade Gutierrez/Galvão Engenharia; o Lote 2 está com a construtora Norberto Odebrecht/Constran; o Lote 3 está com a Queiroz Galvão/CR Almeida; o lote 4 está com a Camargo Correa/Serveng Civilsan e o Lote 5, com a OAS/Mendes Jr. Com custo inicial estimado em R$ 2,58 bilhões, o valor total alcança o volume de R$ 3,6 bilhões, custo estimado em dezembro de 2005. Desse montante, calcula-se que R$ 550 milhões sejam gastos com as desapropriações e reassentamentos e as compensações ambientais. Da parte do estado, o recursos são de R$ 2,4 bilhões e da parte da União, de R$ 1,2 bilhão.
Associado ao trecho Oeste, já pronto e cuja licitação de concessão foi concluída neste ano, o Rodoanel permitirá o fluxo do interior para o Porto de Santos, sem atravessar o sistema viário urbano de São Paulo. Os estudos realizados indicam que em conjunto, os dois trechos aliviarão em 47% o fluxo de caminhões da marginal do rio Pinheiros, 43% do fluxo de caminhos da avenida dos Bandeirantes e redução de 12% no transporte de cargas.
Trecho Sul: começo atribulado
O trecho começa em Mauá passando por Ribeirão Pires, Santo André, São Bernardo, extremo Sul de São Paulo, Itapecerica da Serra e Embu, terminando na ligação com o Trecho Oeste na rodovia Régis Bittencourt. O primeiro lote, entre Mauá e a Anchieta, está com 64% de serviços prontos, incluindo as pistas na fase de asfaltamento. No lote 2, o trevo da via Anchieta, um dos pontos críticos da obra, está com 66% pronto. O lote 3, entre a Anchieta e a Imigrantes, tem 50% de obras prontas. Nesse trecho está a maior ponte do sistema com 1.750 m de extensão, sobre a Represa Billings.
No lote 4, 58% estão prontos, com as obras da ponte de 245 m sobre a Represa de Guarapiranga em estágio avançado. No último lote, que tem 54% pronto, está o trecho entre Parelheiros e o final do trecho Oeste, na Rodovia Régis Bittencourt. Neste segmento estão sendo implantados dois parque lineares com 200 hectares cada, em Embu e Itapecerica da Serra. O viaduto de acesso à Regis está praticamente pronto.
De início foram implantadas oito frentes principais de trabalho: av. Papa João XXIII, trevo da Anchieta e da Imigrantes, ponte sobre a represa Billings e Guarapiranga, estrada de Parelheiros e Itapecerica e trevo da Régis. Os serviços vão desde obras de terraplenagem e drenagem, como a execução de pontes e viadutos nos principais trevos, e ao longo do eixo da rodovia. Incluem-se ainda a montagem de pátios industriais para a construção das pontes da Billings e de Guarapiranga.
O trecho contempla ao todo três pontes: uma de 245 m sobre a represa Guarapiranga, outra de 685 m (lote 4) e uma terceira de 1.755 m, também sobre a represa Billings (lote 3). No total, serão construídos 133 obras de arte entre pontes, viadutos e acessos.
Lote 2 e Lote 3
Segundo o engenheiro Pedro Paulo, coordenador do Lote 2, o grande desafio do Rodoanel está no equilíbrio entre a execução das obras e o respeito ao meio ambiente, uma vez que a principal característica é o traçado que passa muito próximo à represa e a áreas de proteção ambientais. Com 6,9 km de extensão, 2 km do trecho correspondem à interligação com a Via Anchieta, somando ainda 21 obras de arte com extensões que vão de 100 m a 600 m.
O engenheiro enfatiza que a interligação entre Rodoanel e via Anchieta representou um capítulo a parte das obras, uma vez que além das interferências no tráfego, também havia o fator da proximidade com a represa. Assim, o projeto tratou de deslocar essa faixa de interligação na direção da capital, distanciando o segmento o mais possível da área da represa. “Áreas de acesso de uma rodovia são sempre áreas de conflito, pois existe a questão do tráfego e de populações, ou neste caso, de inúmeras redes públicas que passavam pelo local. Logo de início, foi feita a remoção de famílias no bairro do Areião, e de Santos Dumont, além da transferência de duas escolas que funcionavam no entorno. Também havia no eixo do Rodoanel duas escolas, que foram removidas para outros pontos. Também foi preciso deslocar uma adutora de 1,5 m, de diametro que fazia parte da rede de captação da Sabesp, assim como foi feito o remanejamento de redes da Comgás, cabo de fibra ótica, redes da Eletropaulo, Telesp. “Hoje, estamos com todos esses problemas resolvidos”, diz ele lembrando que de maio a setembro, na fase de terraplenagem, os trabalhos prosseguiram 24 horas por dia.
O conjunto de precauções e cuidados ambientais e sociais, para Pedro Paulo, é o “marco” do Trecho Sul do Rodoanel. Um exemplo são os cuidados adotados na fase de terraplenagem. Só neste lote estão sendo movimentados 9 milhões de m3. Com a movimentação da terra – escavação e aterro – esse material fica exposto e na época de chuva poderia atingir a represa. Assim, para evitar qualquer dano à represa, no caso de chuvas, antes da movimentação de terra são feitas toda a proteção da área, com barreiras de contenção e bacias de amortecimento, assim como a execuç&
atilde;o de canais de drenagem, para que essa água seja encaminhada para um determinado ponto, para decantação e limpeza, e só então possa ser direcionada para a represa. “A nossa meta é não contaminar a represa., diz. “Os procedimentos são até simples, mas é o conjunto deles que fazem a diferença, o que inclui também o treinamento dos operários e empreiteiros, para que entendam a importância desses cuidados”.
A execução do viaduto de 280 m que compõem o trecho sobre a via Anchieta, executada em balanços sucessivos, é outra atividade complexa. As peças são fabricadas no local, junto à via, sendo destacadas no ponto exato para serem içadas até a montagem, sendo que apenas um trecho da via é interditado a cada frente de montagem.
O Lote 3, que tem a coordenação do engenheiro William Leite, é talvez o que mais atenção recebe por parte da mídia, em vista da travessia da represa Billings. São duas pontes, uma localizada no Bororé e outra no corpo principal, com 680 m e 1,75 mil m, respectivamente, consideradas o maior desafio técnico do trecho. Cada uma possui 15 vãos centrais, de 107 m e outros dois na extremidade, com 75 m. Cada tabuleiro terá 1.755 m de comprimento, 16 m de largura e 3 faixas de rolamento. “A preocupação principal era a de não remover o lodo sedimentado no fundo do reservatório. Por isso optou-se por um sistema de cravação de estacas de menor impacto, realizado com martelo hidráulico, assim como o projeto foi pensado para impactar o mínimo possível o solo, com vãos acima de 100 m”, disse.
Cada pilar de sustentação é composto por 42 estacas de concreto cravadas no fundo da represa, com vãos de 110 m entre eles. Próximo às travessias funcionam as fábricas que produzem as estacas de concreto. As peças são posteriormente transportadas até o local por meio de balsas marítimas de grande porte.
Uma dificuldade a mais se apresentou, no caso da represa Billings: parte da lâmina não comportava a passagem das balsas, sendo necessário desassorear cerca de 600 m da represa para o transporte e instalação dos pilares de concreto.
O engenheiro William explica que como a Billings é um lago artificial, com solo formado por rochas sedimentares, cada ponto da represa apresenta uma conformação de solo. “Com isso, a cada cravação encontrávamos uma situação e profundidade diferente, o que trouxe dificuldades a cada operação”. Às vezes as estacas chegavam à cota projetada, às vezes paravam antes, e algumas vezes em solos impenetráveis por causa da presença da rocha, outras vezes desciam mais do que o previsto. Isso criou uma dificuldade a mais, pois o ideal era ter uma previsão de cravamento, pois dependendo do esforço do martelo, poderia romper a estaca”, diz.
Análises diárias de cada estaca são realizadas para verificar a carga suportada, que deve estar de acordo com a necessidade prevista pelo projeto para cada ponto, diz o engenheiro. Uma vez cravadas, as estacas são cortadas para dar início a execução dos blocos de coroamento.
Além disso, a operação de cravação precisa atender à questão ambiental de preservação da qualidade das águas da represa. Como no fundo do reservatório há uma camada de lodo e de metais – resultante do bombeamento de água do Rio Pinheiros para a represa Billings realizada no passado – a preocupação é a de revolver o mínimo possível esse material para não contaminar as águas da mais importante fonte de abastecimento da capital paulista.
Assim, o controle e monitoramento regular da água é fundamental. “A qualquer tipo de alteração, os trabalhos podem ser paralisados, mas isso é bem raro, pois o martelo de cravação utilizado é de menor vibração possível”, diz o William. No início era empregado um martelo, mas posteriormente outro foi adquirido para agilizar os trabalhos.
Paredão ambiental
O Trecho Sul tem início no trevo da rodovia Régis Bittencourt – no entrocamento com o Trecho Oeste. O traçado acompanha as várzeas do rio Embu-Mirim e para preservação dessas áreas, as pistas seguem separadamente, permitindo a criação de dois parques no seu miolo. O traçado foi concebido a partir do Estudo do Impacto Ambiental e do Relatório de Impactos Ambientais (EIA-Rima).
Assim, a rodovia vai cruzar a represa de Guarapiranga no seu ponto mais estreito, quando a travessia de 90 metros será realizada por uma ponte de 281 m. Com isso, esse trajeto se afasta do Parque do Embu-Guaçu, localizada mais ao sul e a 12 km da captação de água da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), e segue passando pelo Reservatório Billings por meio de duas pontes, uma no braço do Bororé e outra no corpo principal da represa.
Para não induzir a ocupação humana nas zonas de mananciais, o Trecho Sul estende-de por 38 km sem nenhum acesso às avenidas da região, passando por Itapecerica e Parelheiros, até chegar à rodovia dos Imigrantes. O motorista só tem acesso à pista nos cruzamentos com o Sistema Anchieta-Imigrantes.
Após o cruzamento com a Via Anchieta, o traçado prossegue em direção à Mauá, margeando o braço do Rio Grande, ainda na Represa Billings. Em todo esse trecho, passagens permitirão a travessia de animais, além de um trabalho conjunto com o Museu de Zoologia da Universidade de S.Paulo (USP) para levantamento das espécies de animais locais e acompanhamento permanente das condições da vida animal.
Ao projeto foi adicionado ainda uma ligação do padrão rodoviário com 4,4 km de extensão até a avenida Papa João XXII, em Mauá, que será duplicada para receber o novo tráfego proveniente do Rodoanel. Com a futura extensão da avenida Jacu-Pêssego, essa ligação vai facilitar a chegada à Zona Leste de São Paulo. No trevo da Rodovia dos Imigrantes, alças direcionais de grande capacidade permitirão manter a fluidez do tráfego das rodovias interligadas. Este ponto, que atualmente absorve um pesado tráfego local, terá seu sistema viário remanejado.
As estradas de Itapecerica, M´Boi Mirim e Parelheiros ganharão pontes e viadutos, permitindo o tráfego local, mas sem acesso ao Rodoanel. Nesta região densamente povoada, serão realizadas várias ações de recuperação ambientais em áreas, principalmente em portos irregulares de areia onde a extração predatória provocou erosão. Após a recuperação, essas áreas receberão paisagismo e serão reurbanizadas.
Está sendo executado também, como medida de mitigação ambiental, a revitalização do Parque do Pedroso, em Santo André, com revegetação de 1000 hectares de á
;rea, já devastadas. A preservação da margem do reservatório do Rio Grande a criação de novos parques no Embu, em Itapecerica, do Jaceguava e do Bororé, somarão mais 1000 hectares de área verde à região. O trabalho ambiental vem alcançando um destaque especial: as equipes descobriram exemplares da bromélia Tilandia linearis, que era considerada extinta há mais de 40 anos.
Há ainda a questão indígena em cena, uma vez que há duas tribos (Barragem e Krukutu) fixadas a 8 km de distância do traçado do Rodoanel. Estudos feitos pela Funai garantiram o isolamento dessas comunidades. Mas a Dersa resolveu adicionar 100 hectares (valor aproximado de R$ 2 milhões) para cada tribo, somando-se 125 hectares para cada um.
Noutra ponta, a companhia precisou oferecer destinação para famílias que viviam em área de ocupação irregular cortadas pelo Rodoanel. Foi oferecida uma indenização ou a inclusão no programa de reassentamento por meio de unidades habitacionais da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Duas escalas, localizadas no traçado do Rodoanel, no município de São Bernardo, foram demolidas e reconstruídas em outros pontos, no mesmo bairro, em locais sugeridos pela própria prefeitura.
Passagem para os animais
Durante a preparação do Estudo de Impacto de Meio Ambiente (EIA-RIMA), veterinários da Dersa e técnicos do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, perceberam a necessidade de estabelecer pontos onde os animais pudessem continuar tendo livre acesso às áreas em que viviam antes da passagem do Rodoanel, mantendo assim o mais próximo possível as condições do habitat natural.
Foram projetados oito pontos de acessos e a Secretaria do Meio Ambiente, ao aprovar o projeto, solicitou que fossem feitas mais quatro passagens ao longo dos lotes. E no decorrer da execução do início da obra foram feitas mais dois. Além dessas passagens, estão previstos dois pontilhões, trechos por onde os veículos passarão por cima da área preservada. Esse tipo de pontilhão foi bastante usado em quase toda a extensão da rodovia dos Imigrantes, para preservar a área de Mata Atlântica no aterro.
Fonte: Estadão