Ao longo de quatro décadas, não foram elaborados programas consistentes de prevenção para evitar ou reduzir o impacto de enchentes O Brasil tem um histórico secular de extraordinárias precipitações pluviométricas, que em geral vêm provocando catástrofes, com enormes perdas humanas e prejuízos materiais incalculáveis. Apesar disso, não dispõe de eficientes instrumentos de monitoramento do regime dos rios em suas bacias hidrográficas. Na maior parte das regiões, exceto nas grandes barragens das hidrelétricas, o sistema de observação do nível das águas é precário e, em alguns casos, as medições são feitas com réguas improvisadas de madeira. As precipitações recentes no Rio de Janeiro foram excepcionais, conquanto isso não seja desculpa para se afirmar que elas não poderiam ser previstas. A estatística mostra que não existem sistemas de monitoramento das enchentes, instrumentos de prevenção de heias, e sequer planos de emergência para socorrer a população. Um breve histórico das enchentes, destacando alguns dos principais acontecimentos a partir da década de 1970 no Brasil, mostra que a recorrência dos eventos não estimulou ações governamentais para reduzir ou evitar tragédias futuras. Em algumas regiões, os alagamentos e enchentes repetem-se ano a ano, como em Minas Gerais, Santa Catarina, estados nordestinos, além das regiões mais densamente povoadas, como São Paulo e Rio de Janeiro. Mas poucas obras preventivas foram executadas ao longo desses períodos e que tornaram as populações dessas regiões expostas às mudanças climáticas, que tornaram as chuvas e ciclones tropicais muito mais severos. As enchentes de abril, no Rio de Janeiro, por exemplo, foram consideradas a quinta mais fatal do mundo em 12 meses. Segundo dados preliminares do Centro de Pesquisas de Epidemiologia dos Desastres (Cred, na sigla em inglês), a pedido da BBC Brasil, as quatro enchentes que mais mataram pessoas nos últimos 12 meses foram na Índia, Arábia Saudita e Serra Leoa. O Cred, sediado na Bélgica, coleta dados sobre catástrofes há 30 anos e fornece estatísticas para pesquisadores de todo o mundo. O pior incidente aconteceu na Índia, onde as chuvas de monções em julho do ano passado em diversas partes do país deixaram 992 pessoas mortos. Em setembro, outras 300 pessoas morreram, também em inundações na Índia. A lista é seguida por inundações na Arábia Saudita - em novembro, com 163 mortos - e Serra Leoa, em agosto, com 103 mortos. A enchente desta semana no Rio aparece na quinta posição na lista do Cred. Outra enchente no Brasil - que inclui as inundações no litoral do Rio e São Paulo, em janeiro - era até esta semana a mais fatal no mundo em 2010. Naquela ocasião, 74 pessoas morreram, segundo o instituto belga. As outras enchentes mais fatais registradas neste ano pelo Cred foram em Madeira, Portugal (42 mortos em fevereiro), Cazaquistão (37 mortos em março), México (41 mortos em janeiro) e França (45 mortos em fevereiro e março). Os dados deste ano ainda são preliminares e estão sendo revisados pelo centro. No Rio de Janeiro, a maior parte das mortes foi causada por deslizamentos em Niterói e no Rio de Janeiro. As cidades foram atingidas por algumas das chuvas mais fortes em anos no fim da tarde de segunda-feira. Para especialistas em desastres, os mais pobres são os mais vulneráveis em casos como este. O levantamento do Cred mostra que os países pobres lideram no número de mortes por inundações. Um relatório de 2009 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) afirma que apenas 11% das pessoas expostas a catástrofes naturais vivem em países pobres, mas que é em países pobres que ocorrem mais de 53% das mortes. Tubarão/ SC, 24 de março de 1974 - As chuvas foram mais intensas nos costões da serra, aumentando o volume dos rios, alagando as áreas baixas. A vila Presidente Médici foi o primeiro bairro a ser atingido. No sábado, dia 23, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros haviam se mobilizado para socorrer a população dos bairros mais alagados. A Rádio Tubá prestava serviço de informações, alertando a população. As escolas dispensaram os alunos. Mas alguns moradores permaneceram em suas casas, sem acreditar que a água fosse além do que estavam vendo. Por volta das 18 horas, a ponte pênsil foi tragada, e as águas invadiram o centro comercial. O bairro Oficinas e a margem esquerda foram tomados pela água, em níveis variando de 20 centímetros a 1 metro. O comandante da 3º cia. proibiu a Rádio Tubá de dar notícias sobre a enchente, alegando que a emissora estaria promovendo sensacionalismo, transmitindo pânico à população. Com isso a população ficou desorientada e desinformada. No dia 24 março os bairros continuavam alagados, mas o nível do rio estava estabilizado. No fim da tarde a chuva voltou com a mesma intensidade da noite anterior.. A cidade ficou sem comunicação. Ao clarear do dia de segunda-feira, a chuva continuava intensa. Um único helicóptero fazia o trabalho de salvamento. As residências no morro da catedral recebiam toda a espécie de flagelados em desespero. No Colégio Gallotti, um grupo de professores se organizou e se dirigiu ao vizinho supermercado Carradore (que não existe mais) e requisitaram alimentos para os refugiados daquele estabelecimento de ensino. No dia 27 de março, já em dia ensolarado, as águas do rio Tubarão começaram a baixar deixando atrás de si uma impressionante camada de lama que variava de 30 centimetros a 1,20 metro. As ruas se apresentavam com enormes buracos, entulhados de lama, madeiras e restos do material das casas demolidas. Entre as informações desencontradas, oficialmente são registradas 199 mortes. Vale do Rio Doce, ES, 1979 - No dia 26 de janeiro choveu o acumulado de 101 mm em Bom Jesus do Galho; Em 30 de janeiro daquelle ano foram acumulados 132 mm em Aimoré e 164 mm no município de Ipanema. Em 1º de fevereiro foram 81 mm em Ipanema e 131 mm no município de Coronel Fabriciano. Em 2 de fevereiro foram 161 em Belo Oriente. Na capital, Belo Horizonte foram 82 mm em 28 de janeiro e 98 mm no dia 1º de fevereiro. Foi das maiores enchentes registradas no Vale do Rio Doce e em parte do Espírito Santo, causando repercussão mundial. e Blumenau , SC, 1983 - Somente em Blumenau, 197 mil pessoas ficaram desabrigadas e oito morreram depois que o rio Itajaí-Açu subiu 15,34 m. A enchente durou 31 dias, do dia 5 de julho até 5 de agosto. Em agosto do ano seguinte, o rio atingiu 15,46 m e deixou um saldo de 155 mil desabrigados e 16 mortos. Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1988 - Fortes chuvas geram deslizamento no Morro Dona Marta deixa 6 mortos, 40 feridos e 300 desabrigados. Uma tela usada em uma obra de contenção de encosta rompeu-se sob o peso do lixo e da lama, acumulados durante uma semana de fortes chuvas. A enxurrada destruiu cerca de 30 barracos. No dia 19 de fevereiro, novos deslizamentos deixam 289 mortos, 734 feridos, 18.560 desabrigados, prejuízos US$ 935 milhões. Minas Gerais - Em 1979, Minas viveu a pior enchente de sua história. Após mais de 35 dias de chuva, em janeiro e fevereiro, 246 pessoas morreram e 37 cidades ficaram ilhadas. No ano de 1991, até 17 de fevereiro, houve 42 mortos devido às chuvas. A Grande Belo Horizonte, a Zona da Mata e o sul de Minas foram as áreas mais afetadas. Em 1992, 30 dias de chuva deixaram 33 mortos e 33 mil desabrigados, além de 47 cidades em estado de emergência. Foi em 1997 a segunda pior tragédia no Estado, depois apenas da de 79. Pelo menos 83 pessoas morreram só em janeiro. Mais de 26 mil ficaram desabrigadas, e cerca de 600 mil ficaram sem água potável. Foi decretado estado de calamidade pública em ao menos oito municípios. A região central do Estado foi a mais afetada. Em 1994, diagnóstico da Companhia Urbanizadora de BH (Urbel) acendeu o sinal de alerta para mais de 15 mil edificações, a maioria em encostas. Em 200 nove crianças perderam a vida no Morro das Pedras, aglomerado na Região Oeste da capital, um dos 211 de BH. O perigo foi reduzido com a retirada pela prefeitura, de milhares de famílias das áreas de risco. Em 2009 esse número caiu para 3.775, sendo 274 em locais sujeitos a alagamentos. Mas agora é na proximidade de cursos d'água impermeabilizados que vem ocorrendo o maior número de vítimas na cidade. No Réveillon 2008/2009, o Ribeirão Arrudas, já canalizado, submergiu à força das águas e causou três mortes registrando 109 milímetros de água acumulada somente numa noite. Paraíba, 2004 - Em fevereiro de 2004, o Governo do Estado decretou situação de emergência na Paraíba, por causa das cheias, que castigaram todas as regiões. As chuvas fortes começaram exatamente na segunda quinzena de janeiro e, até o dia 16 de fevereiro daquele ano, a Defesa Civil Estadual já tinha contabilizado mais de 26 mil pessoas desabrigadas e 122 municípios em estado de emergência por causa das chuvas. Santa Catarina, 2008 - As enchentes ocorreram depois de um período de grandes chuvas durante o mês de novembro de 2008, afetando em torno de 60 cidades e mais de 1,5 milhões de pessoas no estado. O número de 135 pessoas morreram e mais de 9000 mil pessoas deixaram suas casas, com 5.617 moradores desabrigados. Várias cidades ficaram sem acesso devido as enchentes, escombros e deslizamentos de terra. No Porto de Itajaí grande parte dos berços de atracação ficaram destruídos. E o nível do Vale do Itajaí chegou a subir 11,52 m acima do nível normal. O Estado acumulou mais de R$ 200 milhões de prejuízo. Nordeste, 2008 - No início do ano, fortes chuvas afetam os estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba. Só no Sertão Paraíbano chove mais do que o previsto para o ano inteiro. O número de desalojados é de 37.385 e o de desabrigados é de 77.580. Cocal, 27 de maio de 2009, Piauí - Rompimento de barragem de Algodões 1, na cidade de Cocal da Estação, no norte do estado, liberou as águas do rio Pirangi, deixando a cidade praticamente submersa. Em algumas regiões a água atingiu 20 metros de altura, cobrindo por completo residências. As águas do rio alagaram uma área de 50 km, ivandindo casas, prejudicando a lavoura, além de fazer vítimas fatais. São Paulo, capital e interior, 2010 - Chuvas fortes acometem São Paulo a partir de dezembro de 2009 e se estendem pelos primeiros meses de 2010. Vários bairros na capital paulista, que até então nunca tinham alagado, foram invadidos pela água. O Jardim Pantanal, na Zona Leste da capital paulista, próximo às margens do rio Tietê, tem suas casas e ruas submersas e assim permanece por quase dois meses colocando a vida de seus moradores em perigo. Muitos vão embora. A prefeitura lança um programa para desocupação da área crítica, que deverá transformar-se em parque, mas a região continua com áreas submersas pelo mês de março. No interior, a cidade histórica de São Luis do Paraitinga, no Vale do Ribeiro, é destruída pelas águas que danificou e destruiu vários edifícios tombados. Houve destruição ainda em Cunha, Guararema, Bofete e em outras cidades, onde pontes e trechos de estradas estaduais e vicinais foram danificadas. A Via Dutra sofre processo erosivo em alguns trechos causado pela força das chuvas. Rio Grande do Sul, Agudo, 2010 - em 5 de janeiro, a força das águas do rio Jacuí leva à fratura da ponte, no município de Agudo, afogando cerca de10 pessoas que estavam sobre ela, incluindo o vice-prefeito da cidade. A ponte, inaugurada em 1963, fora executada em concreto, com seis pilares e dois encontros fechados nas extremidades. Rio de Janeiro, 2010 - Desde dezembro o Estado do Rio de Janeiro fica em alerta com deslizamentos em várias cidades, como Baixada Fluminense e Niterói. Em Jacarepaguá, casas foram soterradas. O caso mais traumático ocorreu em Angra dos Reis, onde uma pousada foi soterrada na Ilha Grande vitimando 50 pessoas que escolheram o lugar para passar ver o Réveillon. No início de abril, um forte temporal alaga toda a cidade do Rio de Janeiro afetando também serviços como iluminação e abastecimento da cidade. A Lagoa Rodrigo de Freitas transborda e ruas e bairros centrais ficam isolados, incluindo os estádios do Maracanã. A chuva afetou os acessos ao Parque Nacional da Tijuca e ao Cristo Redentor, que teve sua estabilidade ameaçada. O prefeito Eduardo Paes assina decreto permitindo a retirada a força de habitantes em área de risco. Laudos técnicos da GeoRio e da Defesa Civil municipal recomenda a retirada imediata dos moradores das oito primeiras comunidades - Urubu (Pilares), Prazeres (Rio Comprido), Fogueteiro (Centro), São João Batista (Botafogo), Cantinho do Céu e Pantanal (parte da comunidade do Turano, na Tijuca), Laborioux (Rocinha) e Parque Columbia (às margens do Rio Acari). Em Niterói, deslizamento no Morro do Bumba soterra 60 casas. Até o final de abril 45 corpos tinham sido encontrados. O morro era um antigo "lixão" que acabou sendo habitado, apesar das condições de perigo e sem que houvesse uma fiscalização da prefeitura local. Por todo estado são mais de 31,5 mil desabrigados. Construído na beira de uma encosta em frente ao MAC (Museu de Arte Contemporâneo), o Maquinho, prédio projetado em Niterói (15 km do Rio) por Oscar Niemeyer, é interditado devido ao risco de desmoronar. Com o asfalto e o concreto alastrando-se pelo chão da capital, as mesmas águas que, em vez de penetrar no solo, correm rapidamente para os cursos d'água devolvem sua força ao entrar nas moradias e no comércio localizados nas várzeas e fundos de vale. Por vezes, elas também jorram para fora dos 200 quilômetros de galerias subterrâneas espalhados pela cidade. A mudança no perfil dos desafios que chegam com a chuva se traduz claramente em números. De acordo com o balanço do Grupo Executivo em Área de Risco (Gear) da Prefeitura de BH, no período chuvoso de 2008/2009, a Coordenação Municipal de Defesa Civil (Comdec) atendeu 210 ocorrências de deslizamento de encostas, enquanto os casos de inundação foram mais que o triplo: 692. Bem diferente do último balanço detalhado do Gear, referente ao período de 2005/2006, que registrava 133 atendimentos de deslizamento de encostas e apenas 87 de inundação. São Luís do Paraitinga terá casas em concreto PVC Três meses depois das enchentes que arrasaram São Luis do Paraitinga, a 178 km de São Paulo, investimentos começam a ser feitos para atender à população da cidade que perdeu tudo. Até junho, 150 unidades habitacionais serão construídas na cidade com a ajuda da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). A Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) será responsável pela orientação técnica e capacitação de mão de obra durante a construção das casas. Por conta da necessidade de erguê-las em tempo recorde para o uso da população de baixa renda, a ABCP está levando todo o seu conhecimento na construção de casas em concreto PVC. No mês de abril, serão entregues cinco casas à população. Segundo Mario William Esper, gerente de relações institucionais da ABCP, a associação pretende auxiliar e difundir o uso dos sistemas racionalizados, quando se consistir na melhor solução. "Sem dúvida, parte do programa Minha Casa, Minha Vida necessita de sistemas industrializados, que são mais ágeis, para atender ao desafio de construir muitas casas em pouco tempo. Como o concreto PVC é formado por perfis leves de PVC, possibilita um encaixe simples e rápido dos módulos, preenchidos com concreto e aço estrutural. Neste modelo, os painéis de PVC atuam como fôrma para o concreto e conferem excelente acabamento interno e externo às paredes", explica o engenheiro. Dentre as vantagens do sistema destacam-se a alta produtividade com equipes reduzidas, obra limpa, sem entulho e sem desperdício, controle dos materiais e custos, durabilidade dos materiais e facilidade de limpeza e manutenção no pós-uso. Soma-se a esses itens a elevada durabilidade e baixa manutenção das edificações oferecidas pelo sistema construtivo concreto PVC. A ABCP desenvolveu em 2001, o projeto Casa 1.0® (analogia ao carro 1.0), que tem como princípio básico construir moradias de qualidade a um custo acessível para a população de baixa renda. Hoje, nove anos após sua implantação, o projeto já permitiu a construção de cerca de 40 mil unidades habitacionais. Fonte: Estadão