A pandemia inesperada e duradoura teve várias consequências na engenharia e tem exigido em muitos casos o reequilíbrio de contratos, tanto com o setor público como o privado.
O especialista em prevenção e resolução de disputas e direito da construção e infraestrutura, Augusto Barros de Figueiredo, VP da Swot Global Consulting, consultoria especializada em litígios na área de engenharia, avalia na entrevista abaixo o reequilíbrio de contratos na pandemia e suas implicações.
A empresa tem tido muitos pedidos para atuar como terceiros neutros em avaliações técnicas de desequilíbrio contratual, para evitar a judicialização. No direito de contratos há espaço para acordos que possam ser revistos em função de imprevisibilidade, como a pandemia da covid-19. Veja a entrevista a seguir.
O que tem provocado demanda de reequilíbrio de contratos na área de engenharia?
No caso da construção civil houve os grandes motivadores são a paralisação das obras pelos lockdowns e as restrições na cadeia de suprimentos, tanto por razões de logística quando de escassez de insumos. Os preços dos insumos subiram, prazos de entrega se alongaram e agora temos uma demanda de aceleração dos projetos para atingimento dos marcos contratuais que demandarão, de uma forma geral, custos adicionais significativos.
Há também os casos de contratos públicos, como nos projetos de concessões, em que o planejamento financeiro foi completamente implodido com as restrições de circulação impostas pelas medidas de combate à pandemia, com um descasamento total entre a arrecadação e os investimentos na infraestrutura, levando inexoravelmente a uma demanda de revisão das condições pactuadas.
Quais são as implicações jurídicas desse tipo de mudança contratual?
A implicação jurídica é a busca do reequilíbrio, que pode se dar de forma negocial ou contenciosa. Diante do problema, a parte prejudicada deve provocar a outra para que a situação de desequilíbrio possa ser entendida e equacionada com a maior brevidade possível. Alguns contratos tratam situações de desequilíbrio – como caso fortuito e força maior – de forma mais detalhada, permitindo que o ajuste se dê de maneira mais pragmática, por assim dizer.
Como fica isso se uma das partes não concordar?
Se a parte não concorda em negociar a parte prejudicada não resta alternativa que não o acionamento dos mecanismos contratuais de resolução de disputas para buscar o reequilíbrio forçado do contrato. Neste ponto é interessante notar a conveniência de se ter no contrato cláusulas relativas à resolução de disputas que permitam o acionamento de métodos extrajudiciais de solução de controvérsias como a mediação e mesmo a arbitragem, como alternativa ao contencioso no Judiciário.
Quais são os limites dessas mudanças no contrato?
Na esfera dos contratos privados há mais liberdade, respeitadas as restrições existentes para contratos típicos, ou seja, contratos para os quais exista uma forma, uma estrutura previamente determinada para a sua validade. Dentro do que pode ser negociado a possibilidade de renegociar é absoluta. Já nos contratos com o poder público as restrições são significativamente maiores, haja vista as restrições estabelecidas na Lei de Licitações Públicas. Vale notar que uma nova Lei de Licitações foi recentemente aprovada e que o fato de haver restrições não quer dizer que seja impossível renegociar.
Pode-se dizer que rever o contrato é estratégico para as partes envolvidas?
Sem dúvida. O equilíbrio de forças na execução dos contratos é muito importante e a permanente disposição ao diálogo só tem a acrescentar na qualidade da execução dos projetos. Vale notar que o desejo de se ter uma relação balanceada ela nasce não apenas no pós-contrato, mas desde as primeiras conversas com vistas à concretização de um negócio. Quanto maior for o desequilíbrio na negociação do racional econômico-financeiro do contrato, maior a possibilidade de demandas por renegociação e a apresentação de pleitos seguidos por parte do contratado, na busca de um reequilíbrio tardio da relação. Isto é um outro problema que não tem a ver com as crises, mas que é muito frequente no mercado e que também causa grande impacto na saudabilidade dos negócios e na boa relação entre as partes.
Isso tende a culminar na redução da judicialização a curto ou longo prazo?
A não abertura à negociação do reequilíbrio acaba levando à judicialização ou à busca de um tribunal arbitral, com a paralização de projetos, aumento de custos significativos com o suporte jurídico e técnico para a solução das disputas e deterioração das relações. Neste ponto é interessante mencionar o quanto os chamados Dispute Boards, os comitês de resolução de disputas recentemente previstos na nova Lei de Licitações dentre os possíveis métodos de solução de disputas, podem colaborar nos contratos de construção e infraestrutura com um mecanismo permanente de busca do equilíbrio contratual.