Velhos como o mundo, os ensinamentos sobre a propriedade do tempo não precisariam mais ser repetidos, tão arraigados deveriam estar na experiência política e nos atos do dia-a-dia. E, no entanto, a subversão do que vem sendo feito do ponto de vista das necessidades do País, em relação às exigências de obras prioritárias para que ele se desenvolva, aconselha a rememorar o velho Eclesiastes: “Tudo tem a sua ocasião própria e há tempo para todo propósito… Tempo de plantar e tempo de colher; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras”. Mas o desajuste entre cronograma de obras e calendário político mostra que o distanciamento entre eles é de quilômetros de distância. E, cada vez mais, a impressão que se tem é de que não há nenhuma vontade política para buscar o entrosamento de datas e objetivos. Como se os interesses reais do País não pesassem na seleção das obras e nas datas em que elas deveriam ser planejadas, projetadas, licitadas, contratadas, executadas e entregues à população. Aliás, as expectativas da população têm sido o que menos conta, quando a finalidade é acomodar favorecimentos partidários e obter dividendos econômicos. Ao descompasso entre necessidade de obras prioritárias, programas elaborados para efeito de marketing e ação efetivamente colocada em prática podem ser debitados os desacertos responsáveis pelas dificuldades em contratar e fazer obras em diversas áreas, em especial na de infra-estrutura. Invariavelmente, o empenho dos recursos orçamentários não bate com o volume dos recursos originalmente previstos. O último balanço do PAC, mostrando a evolução das obras classificadas em “situação preocupante”, “com risco de atrasos” e “em ritmo adequado”, é reflexo desse descompasso. Exemplo disso é o fato de que, até agosto último, o governo havia pago R$ 3,4 bilhões dos recursos da ordem de R$ 14,7 bilhões reservados no Orçamento da União para o programa. Não é de hoje que os sinais de alerta têm sido acionados em segmentos estratégicos: energia, transportes, saneamento e diversos outros. Apesar disso, o leilão de sete lotes de rodovias federais da maior importância para a economia do País, entre as quais a Fernão Dias e a Régis Bittencourt, vem sendo postergado há mais de dez anos. Obras novas de geração e transmissão de energia não têm saído do papel, exceto aquelas assumidas pela iniciativa privada. No campo do saneamento, o que se vê é uma tragédia, agravada em razão do crescimento da população e do respectivo adensamento urbano. Esse conjunto de fatores tem efeitos danosos na memória da engenharia, cujo processo de aperfeiçoamento requer reciclagem ininterrupta a partir de cada obra realizada. Acaso esse problema não explicaria os desacertos observados nas raras obras de porte em andamento? Como justificar até desencontro de túneis em obra metroviária, fato que levou o engenheiro Luiz Célio Bottura a considerar como “algo incompatível até na engenharia primária”? No caso das obras do governo federal, esse desentrosamento do tempo – tempo de projetar e de construir – e até mesmo tempo de contratar com todas as garantias que editais bem elaborados possam proporcionar, além do cronograma corretamente previsto nas ações de fiscalização, acaba gerando relatórios assustadores, redigidos e apresentados pelo Tribunal de Contas da União. De 231 obras fiscalizadas nos últimos cinco meses, 179, correspondentes a 77,5% do total, apresentavam algum tipo de irregularidade. Apesar disso, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, vem garantindo: ao longo de 2008, tempo de eleições municipais, haverá, em todo o País, “um canteiro de obras públicas e privadas”. Não é assim. Não deveria ser assim. Cada coisa a seu tempo, a fim de que o cronograma da engenharia não seja atropelado pelo tempo político, que tem sido, em todos os tempos, o pior de todos para se fazer obras.
Fonte: Estadão