Para pescadores, poluição é problema maior do que as enchentes
Acássia Deliê, Maceió (AL)
Depois de percorrer, furioso, 4.126 km2 e 30 municípios, o rio Mundaú deixou um rastro de destruição no baixo curso de sua bacia hidrográfica em Alagoas. O nível da lagoa Mundaú, margeada pelos municípios de Satuba, Santa Luzia do Norte, Coqueiro Seco e Maceió, subiu e provocou mais estragos, deixando outras dezenas de moradores desabrigados também na Região Metropolitana da capital.
Para chegar a uma das margens, no bairro maceioense do Vergel do Lago, a equipe de reportagem da revista O Empreiteiro precisou remarcar a visita por quatro vezes. Isso porque a orla lagunar, no referido entorno, embora ainda abrigue a tradicional cultura da pesca, ganhou ares de "cidade grande" subdesenvolvida, com problemas tipicamente urbanos, que insistem em desafiar a gestão pública.
O bairro é um dos três mais violentos da cidade, de acordo com a Secretaria de Estado da Defesa Social, que aponta o domínio do tráfico de drogas como principal fator para o alto índice de homicídios registrados anualmente. Por isso, é recomendável que as visitas ao local sejam acompanhadas por um líder comunitário. No nosso caso, o anfitrião foi José Cícero Balbino, 40 anos, há seis morador do local. Balbino tratou logo de nos apresentar a um antigo pescador da região, "seu" Lourival Francisco de Souza, 62 anos, 50 dedicados à atividade pesqueira na lagoa Mundaú.
Nossa intenção era verificar as consequências da enchente no trabalho da cadeia produtiva de mariscos e pescados. Não foi preciso muito esforço para perceber que a enchente, na verdade, foi somente mais uma adversidade enfrentada pela comunidade. O nível da lagoa, relatou "seu" Lourival, costuma subir todos os anos durante os períodos de chuvas intensas. Desta vez, a elevação foi maior e destruiu dezenas de barracos na beira, além de invadir ruas e outros bairros mais distantes.
Mas, segundo ele, o maior problema mesmo é a poluição, que degrada a lagoa há décadas, agredindo a vida aquática e fazendo desaparecer de Alagoas um dos seus mariscos mais típicos, o sururu. "Seu" Lourival lembra que há cerca de dez anos começou a notar uma grande diferença na produção. "Antigamente, chegava a tirar de 400 até 500 kg de pesca por dia. Agora, veja, faz mais de um mês que não ganho um real de pescaria. Uns peixes já não se encontram mais e o sururu ‘tá’ sumindo também. Na rede, muitas vezes só vem cascalho, vidro. Já tirei da água até cavalo, sofá e cadáver. De vez em quando aparece um", avisa.
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), a lagoa Mundaú, junto com a lagoa Manguaba, ambas em Alagoas, abrange um dos sistemas estuarinos mais importantes do Brasil, mas vem sofrendo um processo acelerado de degradação ambiental, provocado, entre outros fatores, pelo crescimento desordenado da área urbana de Maceió. Também contribuem a presença de um pólo cloroquímico e a intensa atividade sucro-alcooleira ao longo das bacias dos rios que deságuam nas lagoas. Cerca de 260 mil habitantes que vivem no seu entorno são afetados.
Fim do sururu
O sururu – ou Mytella charruana, seu nome científico – é uma espécie de molusco semelhante às ostras, cuja parte comestível é amarelada e se encontra escondida entre conchas negras, muito resistentes e normalmente abertas após um certo período de cozimento. Com a degradação da lagoa, as mudanças verificadas no molusco são visíveis, garante a comunidade. "Primeiro, o sururu ‘tá’ diminuindo de tamanho e de peso. Uma lata cheia dava uns 2,5 kg de sururu, hoje só dá 1 kg. Depois, a gente precisa ir cada vez mais fundo pra encontrar, quando antes tinha muito até na beira", diz Rafael Silva, pescador de 18 anos.
Petrúcia Maximina, 41 anos, desde os 11 catadora de sururu, cita ainda outra alteração. "Agora, o que mais tem é sururu morto ou fraco, porque a água da lagoa ‘tá’ ficando doce. Antes, ainda durava uns dias fora da panela, hoje tem que cozinhar no mesmo dia que pesca, senão ele se abre e já ‘tá’ apodrecendo", afirma a marisqueira, que compra, cata e revende, em média, seis latas de sururu por dia. O lucro diário não passa de R$ 15, garante, com o qual sustenta os quatro filhos.
Sobre a diminuição no peso e no tamanho dos moluscos, a bióloga Liriane Monte Freitas explica que, primeiro, é importante considerar o período sazonal em questão, que pode influenciar nas mudanças. "No caso do sururu da Mundaú, é significante observar esses períodos, sendo pertinente se ater também às atuais condições do entorno e da sempre crescente poluição da laguna", explica Liriane, que é doutora em Ecologia e Recursos Naturais e professora da Universidade Federal de Alagoas.
Segundo ela, o sururu se desenvolve em ambientes com condições ecológicas específicas, que incluem determinados índices de salinidade, temperatura, lama e correntes de água. Questionada sobre o futuro do molusco na lagoa Mundaú, deixa claro: "Penso nas propostas de outrora, do beneficiamento do sururu a partir de cultivos muito bem projetados, com a colaboração da população. Mas sem haver educação ambiental, projetos públicos de despoluição, de urbanização e de uso sustentável de todo o espaço lagunar, sinceramente é impossível.Com responsabilidade, seriedade e acompanhamento ecológico, sanitário e científico, é, sim, possível", ressalta.
Na tentativa de iniciar o processo de despoluição da lagoa, o governo de Alagoas executa um projeto orçado em R$ 35 milhões, garantido com recursos do PAC e contrapartida do Estado, que consiste na construção de 1.181 unidades habitacionais para moradores de baixa renda, além de obras de saneamento básico, abastecimento de água e urbanização da orla lagunar em Maceió.
Fonte: Estadão