Desastres anunciados

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País precisa integrar ações de previsão climática e de socorro para enfrentar eventos catastróficos, como as chuvas excepcionais que atingiram Santa Catarina, regiões do Norte e Nordeste em menos de seis meses. A tecnologia de previsão climática já existe

Os eventos relacionados às grandes enchentes que ocorreram nas regiões Norte e Nordeste, entre abril e junho deste ano, revelaram como as questões climáticas ainda estão em segundo plano nas mesas dos governantes brasileiros. A informação dada pelos institutos meteorológicos do País, alertando sobre a probabilidade de chuvas acima da média a princípio na região Norte e, posteriormente, em parte do Nordeste, como depois se comprovou, não acendeu o alerta vermelho nas autoridades a tempo de planejar ações que evitassem maiores danos.
Este quadro fica ainda mais perturbador quando se sabe do alerta de outra comunidade científica – a Associação Brasileira de Mecânica de Solos (ABMS) -, ainda em dezembro passado, sobre a situação de abandono e o risco de segurança nas barragens do País, grande parte sem nenhum tipo de monitoramento ou fiscalização. Estudo elaborado pelo Ministério da Integração Nacional (Espelho D´Água do Brasil), indicou cerca de 7 mil barragens, das quais 200 sem manutenção e capazes de ocasionar acidentes. O Nordeste é o que apresenta a maior parte delas em situação de risco, e o Ceará é o estado com maior número de barragens do País.
Mas foi o rompimento da Barragem de Algodões I, no município de Cocais, no estado do Piauí, em 28 de maio, que finalmente acendeu o alerta sobre a situação de risco a que o País está exposto. O reservatório que armazenava 52 milhões de m³ rompeu, atingindo 800 famílias que moravam às margens do rio Pirangi. A cabeceira do rio fica no Ceará, local que recebeu grande volume de chuvas. Testemunhas contam que a água formou uma onda 20 m de altura. O reservatório, construído entre duas montanhas, não recebia manutenção. O risco de rompimento era eminente tanto que durante 15 dias, os moradores locais foram retirados de suas casas, até que receberam autorização para voltar, apesar da continuidade das fortes chuvas no rio Pirangi, após um parecer técnico que garantiu a segurança da barragem mas a barragem rompeu.

Lei que obriga inspeções em barragens finalmente é aprovada

O fato motivou a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) a aprovar em junho – após seis anos de espera e um mês depois do acidente de Algodões – proposta que obriga o Poder Executivo a instituir a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). A proposta original define diretrizes de segurança para construção de barragens de água e de aterros para contenção de resíduos líquidos industriais e ainda precisa ser remetida para o Senado Federal.
Segundo Jarbas Milititsky, presidente da ABMS, essa foi uma grande conquista da comunidade técnica, uma vez que a entidade foi uma das mentoras do projeto e também defensora da medida neste período. "O Brasil detém ampla tecnologia de projeto e construção de barragens. Mas uma vez construída, a sua responsabilidade fica a cargo de quem? O projeto de lei é fundamental para distribuir as responsabilidades de fiscalização principalmente naquelas de propriedade privada, que não passam por nenhum controle", diz ele.
Uma das mudanças mais importantes impostas pela lei é o estabelecimento de diretrizes exigidas para se aprovar a construção de novos reservatórios, determinando que o empreendedor seja o responsável legal pela sua segurança e inspeção periódica, além de envolver a comunidade local sobre as ações preventivas e emergenciais. Propõe ainda a criação do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, com cadastro dos reservatórios e as medidas de segurança adotadas em cada um deles.
A fiscalização das ações de segurança deverá ficar a cargo do órgão que outorgou o direito de uso do curso de água, dependendo da finalidade da barragem. Cada reservatório deve contar com um Plano de Segurança da Barragem que identifica o empreendedor, os dados técnicos e a qualificação dos profissionais da equipe de segurança. Os responsáveis pelas barragens já existentes terão prazo de dois anos, a partir da publicação da lei, para elaborarem o PSB. Nos casos de acúmulo de líquidos perigosos, como rejeitos da indústria química, haverá ainda o Plano de Ação Emergencial, compartilhado com o município.
Milititsky enfatiza que pelo porte e dimensões, as barragens implicam em risco social muito elevado. "Não é somente a questão de construção que deve ser levada em conta, mas também de planos de emergência e de evacuação da população, em caso de desastres iminentes", destaca o dirigente. A seu ver, o erro principal na tragédia de Algodões I foi consultar um único especialista no momento de crise, quando poderia-se ter ouvido uma equipe multidisciplar. "Numa situação como essa, é preciso considerar a pressão política, que podem interferir nas decisões". E enfatiza que a falta de inspeção, a ocorrência de vazamento e desmoronamentos são fatores críticos quando aliados a uma alta precipitação de chuvas, com picos intensos em curto espaço de tempo, como ocorreu na região.

Ao contrário de Santa Catarina, o clima do nordeste é previsível

A previsão do clima conta hoje com elevado avanço tecnológico em que são analisadas informações provenientes de radares e satélites metereológicos, e cartas marítimas e dos ventos. Esses dados são processados em supercomputadores e compõem um quadro de previsão de até três meses de antecedência, apontando tendência de chuvas, ventos ou estiagem para o período.
O monitoramento diário permite o aumento gradual do nível de acerto, até alcançar um índice de 100% com quatro dias de antecedência, explica Marcelo Seluchi, pesquisador do Instituto de Pesquisas (INPE), e chefe da Divisão de Operações do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec). "O que ainda falta é conseguir determinar o exato ponto de uma ocorrência climática", diz ele. No caso da tragédia de Santa Catarina, ocorrida no final do ano passado, explicou ele, a previsão antecipada era tot

almente impossível por tratar-se de uma ocorrência absolutamente localizada e pontual, contrária à tendência da região para o período. Entretanto, as inundações nesse estado tem um longo histórico de décadas e, a despeito disso, obras definitivas de prevenção não foram executadas. Este não foi o caso das chuvas do Nordeste, que tem como característica clima com elevado índice de previsibilidade. Mas as previsões não receberam a devida atenção das autoridades.
Mensalmente é realizada uma reunião envolvendo todos os institutos metereológicos do País, a fim de consolidar as informações para os três meses seguintes. Essas reuniões são acompanhadas por outros departamentos governamentais e as informações repassadas aos órgãos públicos.
A falta de autonomia e agilidade dos organismos impediram que os agricultores das regiões nordestinas afetadas adotassem ações que pudessem aproveitar a intensidade das chuvas, como por exemplo, agilizando a construção de cisternas a tempo de reservar parte da água das chuvas.
Assim o conhecimento gerado pelos diversos institutos brasileiros são desperdiçados pela falta de entrosamento e falta de autonomia decisória. O intercâmbio de informações ocorre, quando muito, no âmbito das instituições e de pesquisadores, sem traduzir-se em ações governamentais rápidas e ágeis para enfrentar a questão climática.
Com a falta de um plano de gerenciamento dos riscos do clima, a balança pende para o lado da Defesa Civil, cada vez mais exigida para atender a demandas tão críticas, como as de Santa Catarina, no final do ano passado, e no Norte/Nordeste neste ano.

Plano de prevenção a tragédias climáticas

Dadas as dimensões das tragédias recentes, surge a proposta da comunidade técnica de se desenvolverem planos de gestão das áreas de risco, focando principalmente a ocorrência de caso de chuvas críticas, inclusive aperfeiçoando o acesso aos sistemas de previsão metereológica com maior antecedência.
É sugerida a criação de plano de alerta que considere outros aspectos, que não somente a precipitação pluviométrica. Além da monitoração da evaporação atmosférica, deveria ser feita em paralelo a análise de comportamento do solo utilizando ainda critérios de alerta baseados em parâmetros de fácil medição – pluviometria, evaporação, umidade do solo, deslocamentos superficiais, etc. As ações da defesa civil deveriam ser apoiadas por técnicos treinados para interpretar os sinais de alerta, indicar ações preventivas, e apoiar as equipes de socorro em caso de acidentes.
É o que sugere a Associação Brasileira de Mecânica de Solos, que através dos seus associados, atuou nas ações de socorro às vítimas de Santa Catarina (novembro de 2009), junto a Defesa Civil, principalmente no estudo das condições do solo. Os técnicos ajudaram a identificar áreas que ainda corriam risco de deslizar, como apoio aos bombeiros durante as ações de resgate, assim como avaliar a possibilidade de retorno dos moradores a suas moradias. Com base nessa vivência, a entidade elencou medidas para ajudar o País a se preparar para eventos similares, formatando a Carta de Joinville, que na prática serve como esboço para um programa preventivo para tragédias climáticas.
A ABMS concluiu ser necessário estudo aprofundado sobre o fenômeno de Santa Catarina, uma vez que não é possível estabelecer uma lista única de causas para todos os deslizamentos ocorridos, pois cada um apresentou características diversas nas áreas geológico-geotécnicas, topográficas, relativas ao fluxo de água, à vegetação, e outros fatores.
O documento pede o mapeamento geotécnico-geológico da região afetada, de forma a permitir avaliações de níveis de risco e estabelecimento de níveis de restrição do uso do solo.

Causas da tragédia

A excepcional precipitação de chuvas, ocorrida especialmente entre os dias 20 e 23 de novembro ao longo do Vale do Rio Itajaí-Açu, foi um dos fatores desencadeantes da tragédia de Santa Catarina quando cerca de 750 mm foram registrados em certas estações de medição – atingindo 60 municípios e um universo de mais de 1,5 milhão de pessoas. A região já sofria um período longo de precipitações, ocorrendo o deslizamento de milhares de cortes de terreno e de encostas naturais e ainda uma enchente muito rápida e de grandes proporções.
A ocupação desordenada de certas áreas aumentou o número e a magnitude dos acidentes nas regiões urbanas. No entanto, diversas áreas com ocupação regularizada também apresentaram rupturas destrutivas. As rupturas da área rural, especialmente nos municípios de Luis Alves, Gaspar e Ilhota, atingiram mata virgem e outras com plantações, em grandes proporções. Diversas destas rupturas tiveram características classificadas como "corridas" por causa da grande velocidade da massa deslizante, gerando as enxurradas que destruíram pontes e drenagens, causando algumas vezes o barramento de sistemas de drenagem, e agravando as enchentes.

Recursos para cheias

O governo federal anunciou investimentos de R$ 4,7 bilhões em obras de drenagem em 109 municípios constantemente atingidos por enchentes e inundações, que neste ano afetaram cerca de 500 mil pessoas. Cinco Estados da região Nordeste – a mais afetada pela cheia – tiveram projetos selecionados, somando R$ 827,5 milhões em investimentos. As cidades beneficiadas pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Drenagem estão localizadas em 18 Estados do país. Segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec), a população atingida é de cerca de 459 mil pessoas em 13 Estados, com registro de óbitos em 10 deles. O Maranhão teve 119 cidades atingidas, seguido por Ceará, com 101, e Pará, com 58 municípios afetados.
Mas o governo terá de ser mais ágil pois só conseguiu aplicar 28% dos recursos do Programa de Preparação para Emergências e Desastres, gerido pelo Ministério da Integração Nacional, para atender o país inteiro. São R$ 375,9 milhões, cujo montante aplicado não passou de R$ 97,8 já contando os restos a pagar. Segundo o Programa de Resposta aos Desastres, da mesma pasta, foram 48% dos R$ 538,7 milhões autorizados. O levantamento orçamentário é da organização não-governamental (ONG) Contas Abertas, atualizado em junho de 2009.

Fonte: Estadão


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