Fortalecer Estados e municípios e retomar obras locais ou regionais que são prioritárias

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O descalabro das contas públicas demonstra a necessidade de um pacto federativo que lhes devolva autonomia e recursos

Nildo Carlos Oliveira

A ideia é recorrente. Vem e volta conforme a oscilação maior ou menor das crises econômicas. Mas a denúncia generalizada, e provada, é que alguma coisa na estrutura do sistema político e de retorno de impostos arrecadados, que levam Estados e municípios a dependerem tanto do governo central, precisa ser alterada.

A dependência, gerada por interesses invariavelmente externos e alheios aos interesses maiores locais, vem gerando distorções que nem sequer a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, promulgada em 4 de maio de 2000, destinada também a dar transparência a gastos públicos) tem sido capaz de coibir. Haja vista a calamidade ocorrida nas finanças públicas do Estado do Rio. O orçamento estadual, cuja previsão era de R$ 79,9 bilhões para este ano, teve de ser enxugado em cerca de R$ 18 bilhões.

A redução para R$ 61,5 bilhões passou a se refletir em áreas estratégicas de funcionamento do Estado, tais como administração penitenciária (21,97%); educação (9,3%) e saúde (7,6%), sem falar nos atrasos dos pagamentos da máquina burocrática e no comprometimento de outros segmentos da maior importância, como a segurança. A situação chegou a tal ponto que o governo central precisou liberar R$ 2,9 bilhões ao Estado, a pretexto de proporcionar os recursos necessários à segurança dos Jogos Olímpicos.

As distorções, constatadas também em outros Estados, passaram a justificar movimento de governadores, que obtiveram liminares para diminuir o valor de suas dívidas. Além do Rio de Janeiro, os demais Estados que obtiveram a concessão de liminares foram Alagoas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe.

O Ministério da Fazenda defendia o emprego da taxa Selic capitalizada (juros sobre juros), enquanto os governadores argumentavam que a regulamentação da Lei Complementar 148, que alterou o indexador das dívidas por IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo), mais 4% ao ano, ou pela Selic (o menor), em vez da utilização de IGP-DI, mais juros de 6% a 9% ao ano, deixavam aberta a possibilidade da elaboração dos cálculos das dívidas por juros simples. Já o Ministério da Fazenda previu que a mudança no formato do cálculo resultaria em impacto de R$ 402 bilhões para o governo federal. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal fixou prazo de 60 dias para que os Estados buscassem um ajuste com o governo central.

Pelo acordo firmado, o governo federal veio a estabelecer novos prazos para o pagamento das dívidas dos Estados para com a União. Em tese, o novo contrato proporcionará alívio aos governos estaduais. Em janeiro de 2017, por exemplo, quando um Estado pagar parcela de sua dívida, poderá obter desconto de 94,5%. No mês seguinte, o abatimento será reduzido para 89% e, a cada mês, o desconto terá redução de 5,5%. A dívida será alongada também junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A contrapartida, de um modo geral, para os governos estaduais que firmaram o acordo, resultará na adesão à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a expansão dos gastos públicos estaduais. Mas, seja qual for a solução, a dependência dos Estados, em relação ao governo central, continuará. E o debate para a obtenção futura de um pacto federativo consistente não terá trégua.

A ideia em debate

Obviamente o governo central nunca deixará de querer manter estados e municípios sob o domínio de seus interesses. Sobretudo, porque o inverso poderá significar uma reforma tributária que resultará, para Brasília, em redução de receita. Além do que, ele em tese tem a responsabilidade do atendimento às populações mais carentes.

Estudos realizados há algum tempo pelo professor Dalmy Freitas de Carvalho, da PUC-MG, e pela então prefeita Marília Campos, de Contagem (MG), esclareciam que o descompasso entre o incremento da receita de contribuição da União e a redução relativa da receita tributária, que é distribuída aos entes federados, é uma contradição do espírito da Constituição de 1988.

Segundo eles, os municípios vêm, mensal e compulsoriamente, desembolsando recursos para pagamento de dívidas que inviabilizam suas administrações. E sentenciavam: “Vários fatores e políticas econômicas equivocadas quanto ao desenvolvimento do País vêm causando enormes deformações e dificuldades no equilíbrio das contas públicas dos entes federados”.

Os que defendem o advento de um pacto federativo correto, identificado com as reivindicações defendidas por movimentos sociais, reconhecem que pode haver erros e acertos no processo daquele mecanismo de ajuste administrativo, pois todas as administrações são falíveis. Mas, a gestão de obras e serviços públicos, mesmo quando viabilizada sob a melhor transparência dos mecanismos da tecnologia da informação hoje disponível, funciona melhor quando realizada mais perto da população diretamente interessada.

A senadora Ana Amélia (RS), representante de um Estado que tem recebido impacto duro das contradições da dependência com a União, assinala, por exemplo, que Estados e municípios estão pressionados pelo excesso de encargos e enfrentam dificuldade cada vez maior para fechar suas contas.

“Todo ano é assim”, diz ela. “Milhares de prefeitos se reúnem em Brasília clamando por uma agenda que já deveria ter sido resolvida. Nós estamos vivendo uma crise federativa sem precedentes, por conta de uma estrutura que requer revisão”.

E o governador Ivo Sartori defende com veemência um novo pacto federativo, pois não só o Rio Grande do Sul, mas todos os demais Estados, não podem continuar sob o desequilíbrio estrutural provocado pela falta de condições para pagamento de suas contas.

O governador reconhece que a União, ou seja, o governo central, não pode deixar de atender as populações mais carentes. “A União”, afirma ele, “considera-se a melhor gestora dos recursos públicos. Eu acho que não.”

O sociólogo e escritor Levi Bucalem Ferrari, que tem estudado essa questão, concorda com a ideia de que Estados e municípios devam ficar com uma dose maior de responsabilidades e também de recursos. “Daí que um pacto federativo envolve necessariamente a reforma tributária. Mas deve haver limites. O Brasil é muito desigual social e regionalmente. Enquanto alguns municípios são (quase) autossuficientes, outros dependem totalmente do Estado ou da União para se viabilizarem. Isso leva à distorção, segundo a qual a União fica com a maior parte do bolo, para poder distribuí-lo de acordo com as necessidades das regiões mais carentes.”

O governador Geraldo Alckmin tem posição firmada sobre o pacto federativo. Foi dele a sugestão para a aprovação do PLS 95/2015, de autoria do senador José Serra, que estimula prestadores de serviços de saneamento básico a aumentarem volume de investimentos setoriais valendo-se de incentivos do PIS e do Pasep. A proposta evoluiu. Tanto é que, em fevereiro deste ano, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou o projeto PL 2290, oriundo do Senado, criando regime de incentivos para que empresas de saneamento destinem mais recursos nesses segmentos. A empresa que aumentar os investimentos com esse fim ganhará créditos tributários das contribuições PIS/Pasep e Cofins. Ao justificar a medida, o relator, deputado Silvio Torres, valeu-se de argumento do Instituto Trata Brasil, segundo o qual, para cada R$ 1 investido em saneamento gera-se uma economia de R$ 4 em saúde pública — atendimento em hospitais públicos.

Visão na construção

Em recente encontro da construção ficou clara a posição da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) quanto à necessidade de medidas estruturantes que favoreçam a retomada da economia e reduzam as dúvidas que tomam conta do setor produtivo. Naquele encontro, em Salvador (BA), o economista Eduardo Gianetti da Fonseca afirmou que o Brasil vive um quadro crônico de dificuldades em que a solução de seus problemas fiscais “exige a rediscussão do pacto federativo”.

Ideia semelhante é exposta pelo engenheiro Cyro Laurenza, um dos articuladores do Instituto para o Desenvolvimento dos Sistemas de Transporte (Idestra): “Uma das medidas para realizar obras que atendam aos interesses da população é conceber uma federação, onde as responsabilidades sejam distribuídas correta e coerentemente por Estados e municípios. Não dá para impor obras; elas precisam ser feitas onde sejam necessárias e resultem de reivindicações de populações de Estados e municípios”.

Obras, com a austera aplicação de recursos, dentro de cronogramas corretamente fixados, e a retomada daquelas que se encontram paralisadas, terão maiores garantias de que serão efetivamente concluídas, quando colocadas sob o acompanhamento direto das populações interessadas.

 


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