Com as descobertas de grandes reservas de petróleo e gás na chamada camada “pré-sal” localizada a uma profundidade de 5.000 a 7.000 metros, o Brasil passa a dispor de uma riqueza de grande valor, com potencial de acelerar o seu crescimento econômico e o bem estar de sua população.
Mas entre as descobertas e a efetivação dessas potencialidades, várias condições se apresentam.
A primeira é a capacitação tecnológica, a qual está sendo desenvolvida pela Petrobras. Uma segunda é de origem externa: o preço internacional do petróleo é uma variável que dirá se os enormes campos de petróleo gerarão um excedente para a sociedade.
Ao que tudo indica será possível desenvolver a tecnologia de exploração e haverá um grande acúmulo de riqueza financeira para o país. Sendo assim, será necessário ter todo cuidado com o modelo de organização do setor.
A “maldição do petróleo” é uma expressão que procura sintetizar como uma riqueza natural é capaz de gerar pobreza, violência e desigualdade. É para não deixar que essa situação se apresente que se faz necessário um modelo extremamente bem concebido e articulado de exploração e utilização da nova riqueza representada pelas reservas do pré-sal.
Desde logo, a regulamentação atual do setor não é inteiramente compatível com o novo modelo. Ela foi introduzida “para se achar petróleo”, por isso tomou por base o “modelo” de concessão. Neste, são licitadas áreas para prospecção de empresas interessadas, que por sua conta realizam os investimentos requeridos.
Tendo sido descobertos campos gigantescos que devem ir muito além das áreas já sob concessão, o mais provável é que o modelo de regulação mude para um sistema de partilha da produção entre o Estado, detentor das reservas em áreas ainda não licitadas, e uma companhia do setor que a princípio pode ser a Petrobrás ou uma empresa privada qualquer. Naturalmente, nada deve mudar quanto aos projetos já em andamento, cujos frutos de exploração pertencem às empresas detentoras das concessões.
O sistema de partilha permite uma maior apropriação da riqueza por parte do Estado em nome da sociedade. A riqueza do petróleo é apropriada sob a forma de impostos e royalties, como, aliás, é o modelo brasileiro vigente.
Esse padrão de tributação pode conviver com o sistema de partilha, mas no caso brasileiro se faz necessário alterá-lo pelo menos em dois aspectos: a tributação deve aumentar incluindo as áreas já sob concessão e a atual regra de distribuição entre União, Estados e municípios dos recursos tributários obtidos com a exploração do petróleo precisa ser revista.
Essa distribuição na atualidade favorece sobremaneira os Estados e municípios com projeção para os campos de petróleo, o que mesmo antes da descoberta das reservas do pré-sal já conferia uma desigualdade regional acentuada na distribuição dos recursos do petróleo, favorecendo apenas um certo número de estados e municípios. Sendo mantida a regra, ela gerará um paraíso de riqueza nesses mesmos Estados e municípios, enquanto recursos muito inferiores estarão disponíveis para o país como um todo realizar as políticas julgadas prioritárias.
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Cabe, portanto, mudar o modelo de participação do Estado na riqueza do petróleo (introduzindo o sistema de partilha ou um sistema misto) e, para efeito do pré-sal, aumentar a tributação e alterar o modelo de repartição da massa tributária obtida pelo setor público. Uma alta concentração em mãos da União é a condição para que regras claras definam a utilização dessa riqueza para o desenvolvimento e bem estar do conjunto das regiões, estados e municípios do país.
Mas há muito mais ainda o que fazer. É imprescindível assegurar que a enorme massa de riqueza que o pré-sal será capaz de gerar não cause uma enxurrada de ingresso de moeda estrangeira com a venda de petróleo ao exterior, levando à “doença holandesa”. Esta nada mais é do que o espelho de uma sociedade que passa a depender de uma super riqueza natural e abandona à sua própria sorte a riqueza que é fruto do trabalho, da tecnologia e da agregação de valor.
O condutor dessa mudança é a valorização da moeda, mas evitar esse mal é tarefa das mais complexas porque é difícil abdicar da utilização dos recursos que vêm de fora para usufruto em atividades domésticas. O ideal nesse caso seria que o país que se descobre portador de uma grande riqueza mineral aplique no exterior todo o volume de recursos gerados por exportações desta nova riqueza, deixando tão somente para transferir para atividades domésticas os recursos obtidos com vendas internas e uma parcela dos resultados das aplicações da riqueza no exterior.
Não é por acaso que proliferaram e ganharam enorme dimensão os “fundos soberanos” de vários países, muitos dos quais são fruto da acumulação de recursos obtidos com o petróleo ou outra fonte de saldos externos dos países. Constituir um fundo desse tipo será imprescindível para que o Brasil aproveite integralmente o benefício do Pré-Sal, sem sucumbir à “doença holandesa”.
Há ainda a condição da aplicação adequada dos recursos auferidos pela nova riqueza. No caso do “fundo soberano”, as aplicações devem ser conservadoras e de alcance de longo prazo, já que se destinam a transmitir para gerações futuras uma riqueza mineral que por ser finita não pode beneficiar exclusivamente a geração presente.
Já as aplicações domésticas devem obedecer ao critério de potencializar o desenvolvimento sustentado e criar condições para a geração futura de fontes fiscais alternativas aos recursos do petróleo para assegurar o financiamento adequado dos governos em todos os seus níveis ao longo do tempo.
O governo brasileiro anunciou o desejo de priorizar o desenvolvimento social nas aplicações domésticas dos recursos obtidos com o pré-sal, o que de fato é relevante. Mas, igualmente importante seria apoiar o impulso da infra-estrutura, da inovação e das fontes de energia alternativas e sustentáveis e, ainda, criar um fundo fiscal para estabilização das receitas fiscais ao longo dos ciclos de preços do petróleo.
O modelo mais desenvolvido de gestão da riqueza do petróleo que é o norueguês reservou para uma empresa estatal a administração das participações do governo nos projetos partilhados de exploração de petróleo e a gestão do fundo soberano. No Brasil uma empresa desse tipo cumpriria essas e outras funções como o planejamento da utilização das reservas do pré-sal e a gestão dos recursos destinados a investimentos internos e à promoção de políticas industriais, tecnológicas e de desenvolvimento regional e setorial.
Dentre os setores serem contemplados um destaque seria a própria indústria de bens de capital e de suprimentos ao setor de petróleo.
Enxuta em termos de pessoal e com atribuições muito claramente definidas, nada impediria que essa empresa antecipasse recursos no mercado para mobilizar fundos para promover a cadeia produtiva do petróleo e financiar novas prospecções executadas por empresas do setor como a Petrobrás.
Mudar o modelo de regulação do setor, adaptar e reformar o modelo existente de tributação, planejar um eficiente sistema de prevenção à “doença holandesa”, organizar o “fundo soberano”, definir as regras de utilização doméstica dos recursos provenientes da nova riqueza, criar uma empresa para gerir adequadamente essa riqueza e executar políticas sociais, de crescimento e de mudança, são todas ações indispensáveis para que o pré-sal seja de fato um instrumento permanente do desenvolvimento brasileiro. Falhas em qualquer um desses campos poderão ter consequências muito sérias para a economia, a sociedade e a política brasileira.
Fonte: Estadão