Tatiana Bertolim Com o número de passageiros crescente, terminais aeroportuários expõem ao mundo a dificuldade do País em pôr em prática projetos essenciais para o seu desenvolvimento Não precisa esperar a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016. Três anos antes do primeiro desses grandes eventos, a precariedade dos aeroportos brasileiros já requer fôlego de atleta de quem precisa deles para passear ou viajar a trabalho. Encontrar vagas para estacionar, encarar as filas do check-in, driblar os saguões lotados, suportar a longa espera para passar pela segurança e correr para acompanhar as mudanças-surpresa no saguão de embarque fazem qualquer maratona parecer fácil. Quem vence todos os obstáculos, enfim, pode apertar os cintos e esperar o vôo decolar – com atraso, provavelmente. O cenário é desolador, mas real. A rotina dos principais aeroportos brasileiros, especialmente em São Paulo e no Rio, é bem parecida com isso. O xis da questão é que, nos últimos anos, o número de viajantes aumentou consideravelmente no país, mas os investimentos não acompanharam essa forte tendência. O total de viajantes mais que dobrou em apenas oito anos: subiu de 71 milhões, em 2003, para mais de 155 milhões no ano passado. Mas a evolução dos investimentos foi bem diferente. O orçamento da Infraero e da União quase triplicou entre 2003 e 2005, mas desde então tem se mantido praticamente estável, na casa de R$ 1,3 bilhão por ano. Mais grave, nem todo esse dinheiro é efetivamente aplicado. Os desembolsos efetivos da Infraero foram muito menores – em média, apenas 44% do que estava orçado. Os valores foram levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgados recentemente num estudo que causou grande desconforto ao governo. O Ipea alertou que dez dos 13 terminais que estão em obras não vão ficar prontos para a Copa se for mantido o ritmo atual. E ainda que os projetos sejam concluídos, os aeroportos vão continuar sobrecarregados porque faltam duas coisas: investimentos e planejamento. “O setor continua sendo planejado com o olho no espelho retrovisor em vez de se preparar para 40 anos à frente”, afirma o instituto nas conclusões do estudo. Sem grandes alternativas, o governo anunciou a intenção de privatizar três aeroportos: Guarulhos (SP), Brasília (DF) e Viracopos (SP). A Infraero manterá participação minoritária, mas ainda estão indefinidas as datas e a modelagem dos leilões. Até agora, sequer foram dirimidas as dúvidas relacionadas ao terminal de São Gonçalo do Amarante (RN), o primeiro a ser oferecido à iniciativa privada. A pedido das empresas interessadas em participar da disputa, o leilão do aeroporto potiguar, que estava marcado para 19 de julho, foi adiado para 22 de agosto. À medida que os ponteiros do relógio correm, a situação fica mais dramática. A McKinsey divulgou estudo segundo o qual o Brasil precisaria de dez novos aeroportos do porte de Guarulhos para suprir o aumento da demanda esperado até 2030. A consultoria prevê que, nessa época, o volume de passageiros nos aeroportos brasileiros vai chegar a 312 milhões de pessoas por ano. Atualmente, existe em média 0,6 passageiro para cada brasileiro, por ano, nos aeroportos do país. No entanto, a expectativa é de que esse número se aproxime da média mundial, de três passageiros por habitante, conforme a economia brasileira se desenvolve. “Faltou visão de longo prazo. Faltou imaginar que o país teria a importância que tem hoje”, resume o professor Anderson Correia, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “Cidades como Dallas e Frankfurt são muito menores que São Paulo, mas seus aeroportos são muito maiores.” O grande problema, diz o professor, é que o governo não reservou áreas suficientes para garantir a expansão dos aeroportos e permitiu que as cidades crescessem ao redor dos terminais. Agora, fica muito mais difícil fazer as ampliações necessárias. Terceira pista de Guarulhos A construção da terceira pista do aeroporto de Guarulhos foi planejada desde os anos 80, mas nunca saiu do papel e continua fora dos planos de expansão anunciados pela Infraero. Ao menos por enquanto, o que está programado é a implantação do terceiro terminal, cujas obras só devem ficar prontas no fim de 2013. Com isso, a capacidade de Cumbica vai aumentar dos atuais 20,5 milhões de passageiros por ano para 35 milhões. A área dos terminais de passageiros vai passar de 175.700 m² para 241.700 m², dos quais 31.920 m² serão destinados a lojas e restaurantes. Para resolver os gargalos de curto prazo, o governo decidiu contratar, em regime emergencial, a construção de um terminal remoto no local que abrigava o antigo terminal de cargas da Vasp. A estrutura, com capacidade para 5 milhões de passageiros, será erguida pela Delta Construções – contratada em regime emergencial, sem licitação, por R$ 85,6 milhões. O propósito da recém-criada Secretaria de Aviação Civil (SAC) é evitar um novo “caos aéreo” no fim deste ano. O governo também planeja transformar em terminal a área que era utilizada pela extinta Transbrasil. Nesse caso, fará uma licitação cujo edital é esperado para novembro. O acesso a esses terminais remotos deverá ser feito por meio de ônibus. A ligação entre os terminais 1, 2 e 3 ainda está sendo estudada, mas a tendência é que seja realizada por meio de esteiras rolantes, informa a Infraero. Atualmente, é preciso caminhar para se deslocar entre os dois terminais. Todas essas obras, entretanto, são insuficientes para acompanhar o crescimento da demanda, afirma Correia, do ITA. “Esses investimentos servem para, no máximo, dez anos”, avalia o professor. Segundo ele, São Paulo precisa de um novo aeroporto – o que não está nos planos do governo – ou, pelo menos, de uma ampliação significativa de Viracopos, em Campinas. “O problema de Viracopos é que ele está a 100 km da capital, bem acima das referências internacionais”, diz. Outro foco de ação da Infraero está na reforma e ampliação do Galeão, no Rio. Os investimentos programados, de R$ 687 milhões, visam aumentar a capacidade de embarque e desembarque nos terminais de passageiros dos atuais 18 milhões para 26 milhões de pessoas por ano. Ineficiência Ainda assim, são números muito modestos diante do movimento de aeroportos como importantes no contexto internacional. Os terminais de Frankfurt receberam, no ano passado, 53 milhões de viajantes – volume parecido com aeroportos como os de Dal las e Madri. Mesmo aeroportos menores, como os de Miami e Las Vegas, conseguem atender praticamente o dobro de passageiros em relação ao de Guarulhos. Não é apenas na capacidade dos terminais que as diferenças saltam aos olhos. Outros indicadores também revelam o abismo que separa os aeroportos brasileiros – mesmo os grandes – de seus pares internacionais. Em Guarulhos, são oferecidas 4.768 vagas de estacionamento e a Infraero diz que abrirá outras 8 mil com as obras do terminal 3. Enquanto isso, em Dallas há espaço para 28 mil veículos. Em Barajas, Madri, há 15 mil vagas para carros, mas também há acesso ao aeroporto por meio do metrô. Em Miami, existe até mesmo um serviço de limousine que faz o trajeto entre a cidade e o aeroporto. Modelo complexo Não se trata apenas de comodidades. Estacionamento, hotéis, restaurantes, lojas e até condomínios empresariais costumam ser fontes de receita importantes para os aeroportos. “Um aeroporto dificilmente se sustenta apenas com as receitas aeronáuticas”, observa Correia. Nesse aspecto, os aeroportos brasileiros também enfrentam dificuldades para se modernizar: faltam áreas novas para instalar mais estabelecimentos do gênero. Mas a questão não é apenas de espaço, afirma o brigadeiro Mauro Gandra, presidente da Associação Nacional de Concessionárias de Aeroportos Brasileiros (Ancab). Segundo ele, o modelo de concessão adotado no Brasil é complexo e, em muitos casos, pouco atrativo: o custo é alto e os contratos são de curto prazo, sem prorrogação. “O metro quadrado em Guarulhos é mais caro que no Shopping Iguatemi”, revela ele. Há cerca de 5 mil concessionárias funcionando nos aeroportos brasileiros. Para obter a licença de atuação, esses empreendimentos pagam um aluguel ou um percentual de seu faturamento à Infraero. No ano passado, a exploração de atividades comerciais gerou uma receita de R$ 947 milhões para a estatal. O montante equivale a quase um terço do faturamento de R$ 3,08 bilhões obtido pela Infraero, cujo lucro líquido foi de R$ 30,5 milhões no período. A participação das receitas comerciais representa, para a administradora dos aeroportos brasileiros, uma fonte de recursos mais importante que a taxa de embarque (R$ 871,4 milhões em 2010), mas poderia ser ainda maior. “Muitas concessionárias desistiram de disputar os espaços”, afirma Gandra. Outras estão operando nos aeroportos por força de liminares que garantem sua permanência nos espaços após a expiração dos contratos, sem pagar nada à Infraero. Em outros países, as administradoras dos aeroportos também ganham dinheiro com a instalação de edifícios de escritório, universidades e até campo de golfe em seus terrenos. Trens e ônibus gratuitos fazem o transporte até os terminais. “A privatização pode ser uma boa coisa para nós”, afirma Gandra. Para Correia, a gestão pode ser pública, privada ou mista – há exemplos bem-sucedidos nos três casos. Na Inglaterra, os aeroportos são totalmente privados. Nos Estados Unidos e na Espanha, são públicos. No Canadá, a administração cabe a uma fundação sem fins lucrativos. “O importante é haver planejamento de longo prazo”, pondera. Do contrário, mesmo os aeroportos que se encontram numa situação relativamente tranquila atualmente, como os do Recife, de Salvador e Porto Alegre, estarão sobrecarregados em poucos anos. “É preciso reservar áreas para garantir a expansão futura dos aeroportos e fazer as obras antes que a demanda chegue. Não adianta investir só pensando na Copa”, finaliza. Aeroporto de Cumbica/Guarulhos (São Paulo) Investimentos previstos: R$ 1,27 bilhão Obras previstas: - Ampliação e Revitalização do Sistema de Pistas e Pátios - Construção de Pistas de Táxi e de Saída Rápida - Terminal Remoto (Fase 1) - Terminal Remoto (Fase 2) - Construção do Terminal de Passageiros 3 (1ª Fase) Dados operacionais 2009 2014 Terminal de passageiros (m2) 175.700 241.700 Capacidade do terminal (ano) 20,5 milhões 35 milhões Demanda Passageiros/ano 21,7 milhões 27,5 milhões Posições de check-in 286 462 Pátio de aeronaves (m2) 491.500 625.574 Aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro)< /strong> Investimentos previstos: R$ 687,3 milhões Obras previstas: - Reforma do Terminal de Passageiros 1 - Finalização da reforma do Terminal de Passageiros 2 Dados operacionais 2009 2014 Terminal de passageiros (m2) 329.369 329.369 Capacidade do terminal (ano) 18 milhões 26 milhões Demanda Passageiros/ano 11,8 milhões 14,9 milhões Posições de check-in 154 218 Pátio de aeronaves (m2) 666.400 666.400 Frankfurt (Aeroporto Internacional) - Alemanha Inauguração: 1936 Propriedade: Fraport, companhia público-privada com ações listadas em bolsa Localização: 12 km a sudoeste da cidade Pistas: quatro Terminais: dois Transporte entre os terminais: ônibus Passageiros (2010): 53 milhões Las Vegas (Aeroporto internacional de McCarran) – Estados Unidos Inauguração: 1942 Propriedade: Condado de County, Nevada Localização: 5 km ao sul da cidade Pistas: quatro Terminais: dois Transporte entre os terminais: ônibus Passageiros (2010): 39,8 milhões Dallas (Aeroporto Internacional de Fort Worth) – Estados Unidos Inauguração: 1974 Propriedade: Municípios de Dallas e Fort Wortk Localização: 29 km a noroeste da cidade Pistas: sete Terminais: cinco Transporte entre os terminais: trem Passageiros (2010): 56,9 milhões Miami (Aeroporto Internacional) – Estados Unidos Inauguração: 1928 Propriedade: Condado de Miami-Dade Localização: 13 km a noroeste da cidade Pistas: quatro Terminais: um (subdividido em oito partes) Passageiros (2010): 35,7 milhões Madri (Aeroporto Internacional de Barajas) - Espanha Inauguração: 1931 Propriedade: Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea (Aena), estatal Localização: 12 km a nordeste da cidade Pistas: quatro Terminais: quatro Transporte entre os terminais: ônibus Passageiros (2010): 50 milhões Fonte: Estadão