Quantas vezes você se deparou com crianças nos faróis e se perguntou por que ninguém faz alguma coisa para reduzir esse problema? O mesmo aconteceu com Maria Helena Mauad há mais de 15 anos, empresária e esposa de Sergio Mauad, à época presidente do Secovi. “Foi daí que veio a idéia de dar oportunidades aos jovens para aprender uma atividade e buscar uma vaga no mercado de trabalho inclusive na construção”, conta Maria Helena. O que surgiu como uma simples idéia dentro das paredes dos Secovi hoje é a Associação Paulista do Projeto Ampliar, sociedade sem fins lucrativos, responsável por duas unidades de qualificação profissional – a unidade Sete de Setembro, na região de Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo e a unidade Paulista, que fica na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, no bairro da Bela Vista, onde, no passado, funcionou a antiga sede do Secovi. Em 15 anos, mais de 22 mil jovens profissionais já passaram pelos bancos do Ampliar, com elevado índice de aproveitamento profissional: mais de 65%. Segundo Maria Helena, foram entregues mais de 45 mil diplomas, uma vez que os estudantes costumam freqüentar mais de um curso em busca da vocação ideal. É óbvio que as qualificações promovidas pelo projeto estão vinculadas ao universo da construção, certo? Errado. Na unidade Sete de Setembro, os cursos ministrados são de panificação/confeitaria; costura industrial; serigrafia; técnicas administrativas. E na unidade Paulista, os cursos são de informática e cidadania, assistente administrativo, operador de telemarketing, informática, bijuterias. O que há de comum entre as unidades é o foco no atendimento às famílias cuja renda varia de 1 a 3 salários mínimos, e a jovens de 14 a 18 anos. Os cursos são gratuitos e ininterruptos, com carga horária de 100h/aula, equivalente a dois meses. As inscrições podem ser feitas durante o ano todo e o cadastrado fica numa fila de espera. Muitos terminam um curso e já se inscrevem em outro, aproveitando ao máximo a oportunidade de aprendizado. Maria Helena conta que a idéia inicial foi mesmo a de qualificar em áreas vinculadas ao setor da construção, pois assim seria mais fácil o encaminhamento para vagas de empregos. Tanto que a primeira unidade, da Sete de Setembro, chegou a montar uma sala de hidráulica e manter cursos de elétrica e eletrônica. “Mas enfrentamos o preconceito dos pais e dos próprios alunos, que preferem ver os filhos num escritório a um canteiro de obras, sem imaginar que hoje um bom azulejista é um profissional bastante procurado pelo mercado, e que em muitos casos ganha o que quer”, diz ela. Além disso, verificou-se uma dificuldade de empregar esse jovens em vista da faixa etária mínima exigida pelo próprio mercado. Comprovado o equívoco, a grade de cursos foi remodelada priorizando cursos de fácil aceitação pela famílias, e que atendessem às empresas locais. “Um trabalho social não tem uma fórmula pronta. Ela deve se pautar na observação das necessidades, na vivência do dia-a-dia. Tivemos que aprender do começo. E uma das coisas que percebemos foi a necessidade de falar a mesma linguagem dos jovens. Por isso, os instrutores foram buscados dentro da própria região, pois eles conhecem o lugar, sabem dos problemas enfrentados por todos, respeitam as características dos jovens. Não adianta mandar gente daqui para lá e vice-versa”, diz Maria Helena. Até iniciar sua atuação na área social, a experiência de Maria Helena consistia na administração de suas lojas, na lembrança das ações sociais realizadas por seus pais e na vivência de ações comunitárias do colégio de freiras em que estudou. Mas a forte personalidade e o espírito empresarial são características que ajudam a enfrentar as adversidades constantes. “Muitos pensam que temos dinheiro por conta do apoio que recebemos do Secovi. Contamos com apoio logístico e suporte técnico sim, mas precisamos muito de doações e de contribuições. Qualquer doação é benvinda, como computadores, mesas. Fizemos a primeira unidade toda com doações e antes de inaugurar fomos pegos pelo Plano Collor. Terminá-la tornou-se um ponto de honra para mim. O curso de costura começou com a doação de retalhos por parte de fabricantes. Depois fomos melhorando e comprando tecidos, para dar novo estímulo aos estudantes. Muitos empresários doam equipamentos. É difícil para nós como é para os outros. Mas se eu tivesse mais recursos, com certeza poderia fazer muito mais”, diz. Dentre as ações do Ampliar estão a EngraxArte, que oferece a alternativa de geração de renda por meio de serviços de manutenção de calçados. Há ainda campanhas realizadas ao longo do ano, como a Pé Quente São Paulo, para doação de agasalhos, e a Campanha do Brinquedo, ambos realizadas junto aos condomínios de São Paulo. As empresas podem colaborar de diversas maneiras, uma delas é a do Cartão Solidário, que permite descontos em uma rede de empresas associadas. Há ainda convênios para oferecimento de vagas de emprego. Um exemplo é a parceria com uma rede de farmácias para o treinamento e qualificação dos jovens na área de atendimento, o que antes despendia custo e energia da empresa e agora é dividido com o projeto Ampliar. “Não é preciso reinventar a roda. O melhor é se unir a quem já está iniciando ou fazendo alguma coisa”. Maria Helena é a presidente do Fórum de Ação Social promovido pelo Comitê Brasileiro da Indústria da Construção (CBIC), que pretende buscar respostas comuns aos problemas do setor de construção. O primeiro realiza-se neste ano focado na educação envolvendo mais de 17 estados. Mas a idéia é ampliar ainda mais esse intercâmbio e buscar os temas que mais aflijam o setor, demandando um plano de ação em conjunto. JOVENS SENHORES E SENHORITAS Kátia, Sheila, Maurício, Anôonio, Carolina, Karine, Pedro, Lucas que gosta de presentear a irmã com suas bijuterias, Mariana, Laiane que trouxe para o curso de bijuterias uma técnica que utiliza linha de crochê, Guilherme que se inscreveu estimulado pelo pai que trabalha no Poupa Tempo, João Paulo que aos 22 anos quer conseguir um emprego e continuar a estudar, Adriana, Rodrigo, Marcus, Michel ao lado da irmã Amanda, Priscila que enfrenta o sono todo dia de manhã, Claúdia, Cristina, Shirley, muitos são os nomes que já passaram pelo Projeto Ampliar ali na antiga sede do Secovi, na avenida Brigadeiro Luis Antonio, ao lado do tradicional clube de dança do Cartola e junto ao metrô. Ocupam hoje os bancos que no passado eram utilizados pelos senhores engravatados, empresários do ramo imobiliário que faziam dali seu ponto de encontro. Eles vêm de perto, da região central, e de longe, da Zona Sul, Oeste, Leste. Tem até gente que vem de cidades vizinhas como Mauá. Quando tem greve dos funcionári os do metrô ou dos ônibus por melhores salários, não chegam. Se tem manifestação dos estudantes da USP por transporte e almoço grátis, também fica difícil. E se chove e tem inundação, aí a coisa complica ainda mais. Mesmo assim não desistem. No dia seguinte estão lá. Os monitores como o Carlos Eduardo do curso de informática, a Luzivane de telemarketing, o Jairo de técnicas administrativa, a de bijuterias que prefere o anonimato, a supervisora Gildete e a assistente social Adriana, já animada com a novidade do curso de cabelereiro, estão sempre lá com um sorriso no rosto e prontos para repassar o que sabem. Em comum, o sonho de transformação pessoal através do aprendizado, do trabalho e de um novo caminho de vida para os jovens senhores e senhoritas que cruzaram o caminho do Projeto Ampliar. Fonte: Estadão