A presidente Dilma Rousseff tem hoje, no início do seu governo, a oportunidade histórica de se colocar à altura dos grandes estadistas: adotar um plano, talvez inspirado no "Plano Marshall" do governo Truman, nos Estados Unidos, que foi colocado em prática no imediato pós-2ª Guerra Mundial, para a reconstrução de países europeus aliados, devastados durante o conflito.
Sucintamente propomos, aqui, que a presidente tome a corajosa iniciativa de mandar elaborar plano abrangente, costurado com a participação da capacidade e da inteligência nacionais, envolvendo geógrafos, geólogos, geotécnicos, consultores de engenharia, empresários dos mais diversos segmentos, pesquisadores de instituições públicas e privadas e outros agentes do processo, prevendo programas para a reconstrução das cidades e das regiões devastadas por catástrofes naturais.
O plano, extensivo a centenas de municípios situados em áreas sujeitas a inundações, deslizamento de encostas e a outros fenômenos naturais, poderia converter-se em modelo a ser adotado até por outros países, em circunstâncias similares. Ele aproveitaria as verbas já disponíveis no Ministério de Integração Nacional para esse fim, bem como os recursos da ordem de R$ 33 bilhões previstos para o Trem de Alta Velocidade (TAV), que desta forma teriam uma destinação mais útil e imediata.
Importante insistir na seguinte reflexão, que no fundo deve estar na consciência e no pensamento de milhões de brasileiros: licitar e começar a construir do Trem de Alta Velocidade, diante das carências de toda ordem provocadas pelos fenômenos climáticos na região serrana do Rio de Janeiro, onde se registra trágico saldo de mais de 1000 óbitos e centenas de desaparecidos; quando ainda há obras de engenharia inconclusas no Vale do Itajaí (SC), após as enchentes de dois anos atrás que destruíram o porto local ocasionando prejuízos enormes à economia do Estado; com a situação em São Paulo, onde os pontos de inundações se multiplicam e as soluções para as cheias não são implementadas; a situação crítica em Minas Gerais, decorrente de fenômenos similares em razão das chuvas torrenciais; e lembrando, ainda, a devastação provocada pelas enchentes do rio Mundaú em Alagoas, que destruiu cidades ao longo de seu curso, com milhares de desalojados ainda se abrigando em tendas de lona montadas pelo Exército, configuraria um terrível ato de insensibilidade política e um acinte imperdoável às populações afetadas.
Negligenciar um plano dessa ordem que ajudaria a reconstruir cidades e auxiliaria a população a refazer as suas vidas, para optar pela insensatez dos gastos com o trem-bala, seria o mesmo, em nosso entender, que comprar um carro de luxo, quando falta comida em casa, há goteiras no telhado, e as crianças dormem no chão, algumas até esperando atendimento médico.
Definitivamente, a solução não é por aí. O Brasil viu com orgulho uma transição pacífica da ditadura militar para a democracia; acolheu os efeitos estabilizadores do Plano Real idealizado no governo Itamar Franco e consolidado no governo FHC; assistiu, com aplausos, aos oito anos do governo Lula, e agora está na expectativa de uma administração empreendedora e austera, sob o governo da presidente Dilma.
Nos últimos anos, a renda média da população melhorou e os bolsões de miséria foram reduzidos, embora persista a enorme distância entre a ilha da fantasia de Brasília, habitada pelos que utilizam a política para especular com a ela, e o Brasil real, constatado nas áreas da saúde, saneamento, transportes, energia (exemplo do último apagão), habitação e educação. Diante dessa realidade, é inadmissível não adiar o TAV em favor de uma mudança de 360 graus nas políticas públicas do País.
Ressalvamos, nessa proposta, que um "Plano Dilma" significaria a garantia de um legado de segurança de vida e de trabalho para as futuras gerações. Ele seria desenvolvido em diversas etapas, a começar pelo mapeamento minucioso das regiões com riscos geológicos; estabeleceria um programa muito amplo de obras preventivas, que jamais se esgotariam em uma única administração, mas que teriam a continuidade assegurada com destinação de recursos municipais, estaduais e federais específicos; e alavancaria os projetos para a recomposição das regiões devastadas, recriando as condições para o fortalecimento de economias locais, o ressurgimento das atividades culturais e a inserção de todo esse conjunto de atividades no renascimento das comunidades atingidas.
Quanto aos que insistem com a fantasia do TAV, aconselhamos que continuem usando a Ponte Aérea, carros particulares ou o sistema rodoviário, pela via Dutra. O trem-bala é, definitivamente, um luxo que o Brasil pode adiar por algumas décadas, no mínimo.
Fonte: Estadão