Será que vai dar praia?

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Alternativa de lazer barata e democrática e, por isso, mais popular entre os paulistas de todas as classes sociais, as praias da Baixada Santista nem sempre estão liberadas para o banho de mar. A população, não raro, vê frustrada sua intenção de curtir alguns dias ensolarados no litoral, porque o tempo chuvoso não ajuda ou as praias são consideradas impróprias por causa da poluição provocada pelo esgoto lançado na água.

O emissário submarino de Santos e São Vicente, inaugurado no final da década de 70, um dos sistemas utilizados para lançar esgoto em alto mar, longe das praias, demanda urgentemente de reforma e ampliação de capacidade.

Além disso, nem todas as cidades litorâneas têm a infra-estrutura necessária de abastecimento de água e saneamento para suportar a duplicação ou até a triplicação da população, nas temporadas turísticas.

A Baixada Santista, com 82 praias e 162,5 km de extensão, abriga em Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande, Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá e Bertioga, população fixa da ordem de 1,6 milhão de habitantes. Nos principais feriados e nas férias de verão, recebe um acréscimo de aproximadamente 1,3 milhão de pessoas.

A região apresenta baixos índices de atendimento à população urbana no que diz respeito a redes coletoras e estações de tratamento de esgoto. Disso decorre tanto a poluição dos rios, canais de drenagem e estuário como os problemas de balneabilidade das praias. Em média, de acordo com Eduardo Mazzolenis, gerente do Departamento de Tecnologia de Águas Superficiais e Efluentes Líquidos, da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), mais de 80% da população do Estado de São Paulo são atendidos por rede de esgoto. Nas cidades litorâneas paulistas, esse índice não passa de 50%. Em alguns municípios do litoral norte, entretanto, é bem mais baixo, podendo descer a apenas 5%.

A falta de saneamento implica riscos ao meio ambiente e à saúde pública, com destaque para os índices de mortalidade infantil que, no litoral, são superiores à média registrada no Estado de São Paulo (veja quadro).

Doenças

A contaminação das águas e praias também tem acentuada influência na disseminação de doenças infecto-contagiosas entre a população local e os turistas. Em muitos casos, as pessoas tomam seus banhos de mar sem levar em consideração os alertas de interdição emitidos pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e veiculadas nos meios de comunicação.

De acordo com o médico infectologista e sanitarista Arnaldo Etzel, que atua em hospitais da prefeitura de Santos e é professor universitário, essas doenças são transmitidas por via oral, que são basicamente as diarréias infecciosas e as hepatites virais (principalmente a do tipo A), ou por contato, via pele, que são as dermatoses e micoses de praia e as parasitárias.

O médico vê o problema como questão social e de falta de infra-estrutura de rede de esgoto e de sistemas de saneamento para atender à demanda dos municípios da Baixada Santista. “A cidade de Santos, por exemplo, é uma ilha que tem parte do seu território ocupada por muitas favelas. Em geral, essas habitações precárias lançam irregularmente seus dejetos na água que vai desembocar na baía de Santos e, conseqüentemente, contaminar o mar. Essa poluição pode ser em maior ou menor índice, dependendo da movimentação das marés”, explica o doutor Etzel.

Para o médico, normalmente, a preocupação é mais intensa com idosos e bebês, que são pessoas que apresentam maior suscetibilidade às doenças. Por isso, ele acredita que as prefeituras deveriam aumentar ainda mais a fiscalização nas praias e intensificar os mecanismos de alerta à população e aos banhistas sobre praias impróprias. Ele acredita ainda que o comércio de alimentos na orla litorânea também precisa de maior controle sanitário, assim como deve ser mais rigoroso o combate a roedores e outras pragas urbanas.

Tecnicamente, de acordo com o engenheiro civil sanitarista e vice-presidente de atividades tecnológicas do Instituto de Engenharia (IE), Paulo Ferreira, fazer a coleta do esgoto nas cidades praianas é muito mais complexo do que em áreas de planalto. A região litorânea é plana e o lençol freático é muito alto (quase à flor do solo). “A execução de obras passa a exigir altos investimentos e a recuperação do capital fica mais demorada”, diz o engenheiro. O dimensionamento do sistema tem de levar em consideração os picos de demanda, nas altas temporadas, mas é difícil organizar a arrecadação das taxas de esgoto. “Não há como estabelecer uma taxa para alta temporada, quando as exigências são bem maiores, e outra para a baixa. Juridicamente isso é impossível”, destaca Paulo Ferreira, que é professor universitário e já exerceu a função de diretor da Sabesp e da Cetesb.

A poluição da orla marítima, segundo ele, deriva basicamente do esgoto residencial, porque sempre preponderou na Baixada Santista a ocupação urbana doméstica. “Adota-se no Brasil o sistema separador absoluto, que coleta esgoto separadamente da água pluvial. Na prática, entretanto, por falta de fiscalização, zelo ou até omissão, os loteamentos são construídos erroneamente com a rede esgoto ligada à galeria de águas pluviais. Quando chove, o esgoto sem tratamento acaba chegando ao canal e, por fim, desemboca na praia”, explica o engenheiro.

Esse problema se agrava durante os períodos de temporada. No verão, o volume de esgoto dobra ou até triplica, de um dia para o outro. Então, os turistas vão para o litoral para usufruir de um lazer e passam pelo transtorno de enfrentar a poluição das praias e pelo risco de contrair doenças.

Medidas preventivas

Eduardo Mazzolenis, da Cetesb, acredita que a primeira medida, e certamente a mais óbvia, seria o aumento da cobertura de atendimento à população por rede de coleta e tratamento de esgotos. Outra ação fundamental seria a imposição de que as redes de coleta sempre estejam ligadas à rede pública oficial. “Muitas vezes, o esgoto domiciliar não está interligado com a rede pública da Sabesp e faz o despejo clandestino nas redes de drenagem, de chuvas ou até diretamente nos córregos”, explica o gerente da empresa de saneamento.

Praias como a de Milionários e a de Gonzaguinha, localizadas no município de São Vicente, que são as campeãs de interdições, e outras da Baixada, também têm sua balneabilidade
influenciada decisivamente pela fraca capacidade de dispersão dos poluentes, de acordo com Mazzolenis.

Ele lembra que, do ponto de vista do sistema de meio ambiente, da Cetesb e da Secretaria de Meio Ambiente, o estado tem agido de forma educativa, através das campanhas como o Verão Limpo que promove discussões sobre o tema na região. “Nos últimos anos, os municípios têm tido um envolvimento bem maior e, em termos de controle de poluição, há as ações de licenciamento ambiental e fiscalização da Cetesb, no que diz respeito à implantação de redes e de sistema de tratamento de esgotos”, lembra o gerente da Cetesb.

A Secretaria do Meio Ambiente também anunciou, recentemente, um novo programa que se pretende articular os esforços dos órgãos do sistema de meio ambiente, das prefeituras, da Secretaria de Habitação e da Sabesp, visando otimizar ações e estabelecer prioridades que possam diminuir expressivamente, até 2010, a ocorrência de praias impróprias. Os investimentos, segundo Mazzolenis, “serão feitos a partir de diagnósticos técnicos que determinarão ações integradas dirigidas principalmente para as 136 praias e os cursos de água afluentes que são monitorados pela rede de balneabilidade da Cetesb”.

De acordo com o gerente da estatal, a Cetesb é uma das poucas agências brasileiras que monitora a água do mar e os emissários e seus efluentes. A água é monitorada não só quanto à balneabilidade, nas proximidades das praias, mas também nos pontos mais distantes, o que reflete uma clara preocupação com a qualidade ambiental.

Segundo ele, o esgoto despejado pelos emissários passa por estações de pré-condicionamento, que eliminam materiais grosseiros e areia, por exemplo. “O emissário de Santos e São Vicente precisa ser reformado e aperfeiçoado, com a introdução de tratamento pelo método de flotação, quimicamente assistido. Isso porque a bacia de Santos tem um regime de circulação muito pouco dispersivo, o que pode ocasionar impactos por sedimentos na coluna de água”, conclui Mazzolenis.

Fonte: Estadão


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