Nos seus 352 km, o rio Tâmisa teve suas águas saneadas a partir dos anos 60, e passou a ser um dos cartões-postais da capital britânica para os visitantes. Mas os londrinos veem hoje que há despejo de esgoto no rio quando chove, porque a rede construída na era vitoriana não comporta o esgotamento provocado pela população atual.
Ao lado do Sena, em Paris, e do Hudson, em Nova York, o Tâmisa é um desses rios-ícone cercado de tradição e lendas, conhecido mundo afora. Há sites dedicados a sua história, passeios no rio, cidades e lugarejos às suas margens etc.
A partir de Londres, o Tâmisa tem regime de marés quatro vezes por dia. Os riscos potenciais de uma tormenta vinda do mar e subindo o rio, podendo alagar parte da capital britânica, fez o governo erguer a segunda maior barragem móvel do mundo – a primeira fica na Holanda
Mas o pior inimigo atual tem sido a poluição — em meados de 1800, o fedor das águas era tal que obrigou a se fechar o Parlamento, na ponte de Westminster, e a se construir a primeira estação de tratamento de esgotos em Londres. O rio se beneficiou desde então de sucessivos programas de saneamento.
A operadora privada Thames Water Utilities, controlada pelo banco Mcquaire e fundos de investimentos, pediu desculpas em público em janeiro passado pelos prejuízos causados a propriedades ribeirinhas pelo despejo de esgoto in natura no rio.
Túnel
A esperança de uma solução duradoura é a construção do maior túnel do país, ao custo de US$ 6,2 bilhões, que vai coletar o esgoto ao longo de 32 km do rio, passando por locais históricos, como o Palácio de Buckingham.
A operadora, que tem 14 milhões de clientes na área de Londres, contratou o banco UBS para levantar os recursos no mercado financeiro.
A rede de túneis e cavernas herdada da época vitoriana tinha capacidade projetada para atender sete milhões de habitantes — a metade da população metropolitana atual. Isso significa que pelo menos 30 milhões t de esgoto são despejados no rio todo ano sem tratamento, material esse que chega a permanecer na água até três meses, segundo análises, antes de se diluir no mar. A Inglaterra já foi advertida pela Comunidade Europeia por não cumprir as normas de tratamento de esgoto acordadas — arriscando a ter que pagar £ 620 mil de multa por dia, num total que pode chegar a £ 446 milhões ao ano.
Para reduzir riscos potenciais do financiamento exigido para a obra, a consultoria contratada, a KPMG, propôs separar o megaprojeto de saneamento do Tâmisa — que envolve a construção de um túnel de 7,2 m de diâmetro, revestido de concreto, 75 m abaixo do rio —, como um ativo distinto do restante da infraestrutura da operadora privada Thames Water.
O projeto do seu traçado, que vai interceptar 34 dos pontos de extravasamento de esgoto mais frequentes, e encaminhá-lo para plantas de tratamento, encontra-se em curso, programando-se o início das obras para 2016.
Engenharia financeira
O governo inglês fará provisão de recursos para cobrir “riscos excepcionais” do projeto, dando maior segurança aos investidores, e o órgão regulador do setor concederá tratamento especial ao projeto. Essa engenharia financeira vai possibilitar que a taxa de retorno do projeto se alinhe com a indústria global, da ordem de 10% ao ano.
As entidades ambientais denunciam que apenas 2 mm de chuva podem encher alguns dos túneis de esgoto de Londres, levando à extravasão de efluente bruto no rio através de 57 pontos que funcionam como “ladrão”. Como o clima londrino é reconhecidamente chuvoso, esses lançamentos já ocorrem, em média, uma vez por semana, afirmam os ambientalistas.
O túnel inglês chamado Tideway é a maior obra entre as que a operadora Thames Water está desenvolvendo para expandir sua capacidade de tratamento. No total, serão £ 675 milhões destinados a modernizar cinco das estações de tratamento de Londres até 2014, além da construção do túnel Lee no rio de mesmo nome, afluente do Tâmisa, de 7 km, a ser concluído por uma TBM (tunnel boring machine) em 2015, com capacidade para conter 16 milhões t de esgoto.
Haverá 24 canteiros de obras na capital para a construção do túnel Tideway, que terá capacidade de armazenamento de 1,5 milhão m³ de esgoto, eliminando assim, em princípio, os riscos de extravasão no Tâmisa. Se a decisão do governo for positiva, as obras preliminares desse túnel devem ter início em 2015, seguindo-se a sua escavação por TBMs no ano seguinte e conclusão prevista para 2023.
Toda a documentação do projeto do túnel, as críticas e comentários da população, e o cronograma de obtenção de todas as licenças dos órgãos reguladores, estão à disposição do público no site www.thamestidewaytunnel.co.uk
O consumidor, para variar, vai pagar a conta dessas obras. A conta anual de esgoto dos londrinos, no valor de £ 123 hoje — a mais baixa do país —, terá um aumento de £ 70 a £ 80, ou seja, +57%, alinhando-a com a média nacional, segundo a operadora.
Este tipo de túnel para coleta de esgoto está sendo adotado em diversas metrópoles pelo mundo, como Doha, Abu Dhabi, Helsinki, Washington e Cingapura. Esta última cidade, por exemplo, está investindo U$ 2,4 bilhões num projeto similar, enquanto que Paris está aplicando US$ 5 bilhões na modernização do seu sistema de esgotos.
Fonte: Revista O Empreiteiro