O Egito é um fascínio milenar. Pena que Naguib Mahfouz, Prêmio Nobel de Literatura, autor da impecável Trilogia do Cairo, não esteja vivo para ser invocado, como símbolo de rebeldia, na atual revolta popular pelas ruas daquela cidade que ele imortalizou naquela e em outras obras.
O paradoxo do Egito é esse: como país milenar, território da civilização, que gerou tanta cultura essencial ao desenvolvimento dos povos, pode conviver durante décadas com ditadura teleguiada por interesses tão alheios aos de sua própria população?
Imagino Mahfouz. Quando ele faleceu em 30 de agosto de 2006, aos 94 anos, o ditador Hosni Mubarak prestou-lhe homenagem. Disse: "… foi um escritor excepcional, um pensador culto e criativo, que fez com que a cultura e a literatura árabes se tornassem conhecidas em todo o mundo".
Lastimavelmente, o ditador, contemporâneo de Mahfouz, não teve sensibilidade política suficiente para intuir que, àquela altura, já estava fora do tempo e que a sua ditadura poderia cair de podre, como está caindo. Hoje, em vez de sair do poder, está sendo arrancado do poder.
E será arrancado do poder em circunstâncias deploráveis. Sua ditadura vem espancando, vedando e agora, pelo que leio, está deportando jornalistas a fim de que não registrem o que o seu regime está fazendo com o povo.
Mais uma vez vou invocar Mahfouz. Certa ocasião o escritor disse que a inteligência de um homem pode ser avaliada pelas respostas que é capaz de formular a algumas perguntas. Como as respostas que Mubarak vem dando aos pedidos de democracia são o aumento da repressão e das ações contra o povo e a imprensa, a gente já pode afirmar, sem nenhuma margem de erro, que ele não tem outra saída, senão a saída. E urgente.
Fonte: Estadão