Atlântico e Pacífico interligados

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Em setembro de 2005, os presidentes do Peru, Bolívia e Brasil se encontraram na cidade localizada no meio da selva peruana de Puerto Maldonado para inaugurar as obras de uma rodovia que vai conectar os oceanos Atlântico e Pacífico, por meio de uma rodovia ininterrupta pavimentada de 5 mil km

"De agora em diante, nossas fronteiras deixarão de ser linhas divisórias, e se tornarão cada vez mais fronteiras compartilhadas que unem nosso povo e nossa geografia", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de inauguração.

A construção da rodovia de ligação entre os países será terminada em dezembro, depois de cinco anos de trabalho liderado por algumas das maiores construtoras do Brasil. A Rodovia Interoceânica, também chamada de IIRS Sur, envolve a construção e modernização de mais de 2.600 km de estradas, ligando os portos do Peru no Pacífico à cidade na fronteira brasileira de Assis. Ali, ela será ligada ao sistema de rodovias existente no Brasil.

Para construir a rodovia, o governo peruano dividiu o projeto em cinco trechos e os colocou em licitação como parcerias público-privadas. Os contratos de 25 anos determinam cinco anos para a construção e o resto para operação e manutenção.

Em 2005, os três trechos envolvendo a construção de 1.000 km de novas rodovias pavimentadas foram adjudicadas a duas concessionárias lideradas por construtoras brasileiras: Conirsa, liderada pela Odebrecht, e InterSur liderada pela Camargo Correa e incluindo a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão.

Os dois últimos trechos que exigem a modernização de aproximadamente 1.500km de estradas existentes foram adjudicados a dois consórcios compostos de empresas peruanas em agosto de 2007.

Embora o banco estatal brasileiro BNDES tenha indicado desejo de financiar o projeto, os recursos foram obtidos através de instituições financeiras do mercado.

O custo inicial do projeto foi estimado em US$ 1,3 bilhão quando o contrato para os três trechos de construção da nova rodovia foi adjudicado em 2005. Estima-se que a obra completa custará por volta de US$ 2,37 bilhões quando concluída neste ano.

O preço final dos dois trechos contratados com a Conirsa deverá atingir US$ 1,2 bilhão. Os executivos do consórcio afirmam que a única causa do aumento foi o terreno imprevisível. Escorregamentos nas encostas do leste dos Andes na medida em que a estrada penetra na selva se tornaram um problema constante. Um extenso deslizamento no ano passado lançou 300 mil m2 de rochas na encosta de uma seção anteriormente estável destruiu completamente a rodovia já concluída em baixo.

"O trabalho é muito dinâmico", disse Sergio Panicalli, chefe do projeto da Conirsa. "Assim que terminamos de resolver um problema em um trecho, aparece outro em algum lugar".

O contraste entre entre os dois trechos executados pelo consórcio é dramático. Trecho III da Conirsa, que é basicamente na região da selva, deverá atingir um custo final de apenas 3% mais alto do que as estimativas iniciais. Em comparação, o trecho II montanhoso deverá ter um acréscimo de 20% em relação ao orçamento inicial.

A InterSur enfrentou problemas semelhantes nos seus trechos nas terras altas do sul peruano, vendo o orçamento inicial de US$ 527 milhões aumentar para US$ 890 milhões. Os executivos da InterSur disseram que um fator importante para a discrepância foi a falta de precisão dos dados fornecidos às empresas pelo governo peruano.

"Em muitos casos, os relatórios iniciais fornecidos para as obras estavam desatualizados e incorretos", disse Wilhelm Funcke, engenheiro chefe da InterSur. "Quando chegamos lá para fazer o trabalho preliminar de planejamento, o que encontramos era significativamente diferente do que nós verificamos nos documentos". Outro fator chave é a mudança substancial do valor da moeda peruana durante a metade da última década.

Os executivos da Conirsa dizem que as diferenças de preço foram abordadas no contrato inicial e foram vetadas pelo governo peruano. A InterSur também entrou em acordo com o governo peruano quanto aos aumentos de custos. Nenhum dos consórcios pediu para que fossem modificados os termos dos contratos originais.

Quando terminada, a nova rodovia terá 7,4m de largura e duas faixas de 3m, e acostamento de ambos os lados. A sub-base tem 15cm de espessura e consiste de cal misturado com material preparado. Ela é recoberta por uma base de 15cm de uma mistura de cimento e solo.

A rodovia pavimentada em si terá duas camadas de massa asfáltica com espessura total de 7,5 cm. A superfície da rodovia terá uma inclinação de 2,5% para drenar a água. Uma extensa drenagem será construída, embora o tipo exato variará de um lugar para outro conforme exigirem as condições.

O desafio do projeto tem sido superar os extremos da geografia. Muitas centenas de quilômetros através dos Andes ao sul do Peru estão em altitudes bastante elevadas. A rodovia atinge 4.700m de elevação em um ponto do Tramo II da Conirsa, e quase 5.000m no ponto mais alto do Tramo IV da InterSur.

Apenas cinco anos atrás, a trilha que parte da cidade montanhosa de Cusco até a cidade na selva de Porto Maldonado era um caminho horrível que demora três dias, ao longo de uma estrada de terra decrépita construída na década de oitenta, impossível de ser percorrida na estação das chuvas. A estrada era usada principalmente para viagens locais e caminhões transportando cargas variadas, inclusive combustível.

Hoje, a viagem é totalmente diferente, uma vez que é possível cruzar centenas de quilômetros em apenas algumas horas. Embora haja pontos chave que ainda não estão terminados, ambos os consórcios já registram um tráfego inesperadamente intenso na rodovia.

No ano passado a InterSur informou o tráfego em algumas áreas de 150-200 veículos por dia – números não previstos para serem alcançados pelo menos até 2018. A Conirsa diz que está observando números estimados anteriormente para 2023.

O desafio mais complexo da construção da nova rodovia foi a logística envolvida. A ampla disparidade entre as condições geológicas e o grande número de problemas confrontando os engenheiros encarregados das obras exigiram ênfase no planejamento antes da fase da construção. Tanto a Conirsa quanto a InterSur gastaram seis meses planejando sua estratégia depois de ganharem seus respectivos contratos.

A Conirsa decidiu lidar com os dois trechos do projeto que ganhou como trabalhos completamente separados, dividindo-se na prática em duas companhias para executar o trabalho. Embora os chefes das duas unidades se mantivessem em contato constante e reuniões entre os engenheiros fossem feitas, os dois trabalhos foram organizados independentemente um do outro.

Por sua vez, o escritório da Conirsa em Lima concentrou-se em lidar com questões governament

ais e de legislação para ambos os trechos, ao invés de gerenciar a supervisão de cada parte da rodovia. A estratégia da InterSur para lidar com seu único trecho também envolveu esta abordagem particular.

Uma vez que o trabalho envolvia longos trechos em áreas remotas das terras altas e selvas peruanas, usar as instalações existentes não era uma boa opção. Tanto a Conirsa quanto a InterSur decidiram construir acampamentos ao longo da rota para basear ali suas equipes. As construtoras equiparam todos os acampamentos com telefone via satélite e internet sem fio.

Para a Conirsa, isto consistiu de um local autosuficiente e semipermanente equipado com dormitórios, escritórios administrativos, e áreas industriais. A InterSur usou uma mistura de estruturas existentes reformadas para suas necessidades e a construção de acampamentos próprios para necessidades específicas.

Os laboratórios em cada um dos acampamentos realizam testes sistemáticos com o material e os processos das obras. Distribuidores de máquinas que realizam a manutenção dos equipamentos também estão estabelecidos nesses locais.

Para lidar com as condições climáticas e geológicas extremas, os engenheiros tiveram que inventar estratégias criativas.Nas elevações mais altas, o frio – tanto em termos de clima quanto de temperatura do solo – limitou dramaticamente a "janela" diária de pavimentação, e colocou em risco o cronograma. A Conirsa superou isto usando duas abordagens inusitadas. A primeira foi usar uma série de tendas de aquecimento para manter protegidos os caminhões carregados com asfalto, de modo que este mantenha a temperatura de trabalho no frio do início da manhã.

A outra foi construir uma máquina que eles chamaram de "Dragão", equipada com jatos de gás para aquecer o leito da estrada à frente das equipes de pavimentação. O resultado foi que dobraram o volume de pavimentação para mais de 40 caminhões de massa asfáltica por dia.

O trabalho na selva ainda foi desafiador por uma razão diferente – as chuvas. 80 por cento do total anual das chuvas ocorrem entre novembro e abril, forçando a maioria das obras a parar completamente durante esse período. A Conirsa atacou o problema construindo uma tenda de 500 m de comprimento para pavimentar a rodovia embaixo dela. Embora o progresso fosse ainda lento durante a estação das chuvas, ela protegeu a construtora dos custos de ter que interromper os trabalhos por meio ano.

Fonte: Estadão


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