É em silêncio, e até com algum constrangimento, que vamos acompanhando os passos dos especialistas do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco e do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), designados para avaliar se Brasília ainda merece ter em mãos o título, que lhe foi concedido em 1987, de Patrimônio Mundial.
Quando ela recebeu aquele título, já estava um tanto descaracterizada, embora mantivesse os traços e as áreas que lhe deram a identidade de origem. Hoje, qual seria o comportamento do mestre Lúcio Costa se olhasse, de perto ou de longe, a imagem da cidade esculpida no chão do cerrado?
O fato é que a descaracterização foi chegando aos poucos. Avizinhou-se das superquadras e dos espaços que forneciam a ideia de que ali estaria o exemplo de uma cidade que respira e que permite aos seus cidadãos o oxigênio da liberdade das áreas livres, ainda não sujeitas ao impacto das modernizações vorazes. Pois bem. Brasília perdeu um pouco de tudo isso. No fundo, tornou-se uma cidade como qualquer outra, exceto no desenho da Esplanada e de outros sítios que a especulação imobiliária não conseguiu soterrar.
Porque em Brasília e em seus arredores o risco das distorções é potencial. Os que desejam transformá-la em mais uma metrópole manifestam uma força difícil de ser enfrentada. E, esse trabalho de substituição de valores antigos, arraigados no planejamento físico e na manutenção da face urbana original, vai se consumando. A argumentação é de que, como era, Brasília estava parada no tempo e urgia evoluir. A evolução compreendia o desmanche até da originalidade em forma de cruz – ou de avião. Como se a dinâmica que reconstrói metrópoles continuamente pudesse passar por ali como um trator.
Espero que Brasília consiga, ainda, escapar aos estereótipos das demais cidades que mudam de face todos os dias. O sonho de uma cidade administrativa, com uma população da ordem de 500 mil habitantes, se esboroou. Hoje, a metropolização ameaça marca-la com a mesmice de todos os vícios metropolitanos. Será que ela passará no teste a que está sendo submetida e continuará com o título nas mãos?
Fonte: Nildo Carlos Oliveira