Os impactos sociais dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário sobre a qualidade de vida das pessoas e o meio ambiente estão cada vez mais em discussão na sociedade. Some-se a isso também as consequências econômicas que a qualidade dos serviços causa na cadeia produtiva, com reflexos na geração de emprego e renda. De acordo com Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), quase 35 milhões de brasileiros não possuem acesso ao abastecimento de água, e apenas 55% da população tem o seu esgoto coletado. Já o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) revela que, para alcançar a meta de universalização do saneamento básico no País até 2033, seria necessária a construção de cerca de 13,5 milhões de novas ligações de esgoto e mais de 14 milhões de ligações de água. Para que essas metas sejam alcançadas, será necessário um montante significativo de recursos financeiros.
De acordo com a Abcon Sindcon, associação das operadoras privadas de saneamento, para atingir a universalização no País será necessário investir aproximadamente R$ 893,3 bilhões em uma década. Em 2020, foi promulgada a Lei 14.026, que promoveu a reforma do Marco Legal do Saneamento no Brasil, estipulando que, até 2033, 99% da população brasileira tenha acesso à água tratada e 90% à coleta e tratamento de esgoto.
Além disso, estabeleceu que o índice de perda de distribuição de água seja reduzido dos atuais 40% para 25% no mesmo prazo. As metas deverão ser cumpridas pelos prestadores de serviço, públicos ou privados. “O marco do saneamento é importante ao estabelecer metas para a universalização”, destaca Ilana Ferreira, superintendente técnica da Abcon Sindcon. “Ele trouxe uma importante alteração na lógica do setor, estabelecendo como premissa a competição, que inclui empresas públicas e privadas, com contratos regulados e metas estabelecidas, para alcançar essa universalização.” Segundo Ilana, o marco legal trouxe segurança jurídica, o que atrai novos investimentos.
E isso já vem acontecendo: segundo o SNIS 2021, a média de investimentos no setor entre 2020 e 2021 foi de R$ 16,1 bilhões, sendo que, entre 2007 e 2019, esse montante não havia passado de R$ 15,3 bilhões. “Portanto, a chegada do novo marco legal do saneamento foi positiva para o acréscimo de investimento e o consequente aumento de obras”, frisa. As expectativas nessa área em termos de negócios para os próximos anos são altas, segundo a executiva. “O Brasil precisa investir R$ R$ 308,1 bilhões nos próximos quatro anos, a fim de manter em progresso a expectativa de atingir a meta da universalização dos serviços de água e esgoto até 2033.
O impacto desse investimento será imenso, principalmente na construção civil.” De acordo com estudos da Abcon, com o aporte de R$ 893 bilhões no setor de saneamento, ao longo de 10 anos, o ganho no PIB será de aproximadamente R$ 1,4 trilhão e a geração de quase 2 milhões de empregos. Tal ganho representa um PIB 2,7% mais elevado em 2033, evidenciando o potencial duradouro de crescimento e desenvolvimento gerado pela ampliação dos serviços de água e esgoto, que vai além do ciclo temporário de investimento. Nessa nova etapa que se inicia, concessões e privatizações já começam a acontecer.
A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) foi a primeira estatal privatizada. Em dezembro, foi arrematada em proposta única de R$ 4,151 bilhões, com ágio de 1,15% em relação ao valor mínimo estipulado no edital. O governo de Sergipe anunciou que irá fazer a concessão dos serviços de distribuição de água e esgoto. O leilão está previsto para acontecer ainda neste ano e contrato deve ser válido por 35 anos, com investimentos estimados em R$ 7 bilhões. “Todas as licitações e sinalizações de projetos de porte, como o de Sergipe, são indicativos de que o mercado está avançando e ampliando investimentos a partir de uma maior presença da iniciativa privada no setor, que tem muito a contribuir para o esforço de universalização do saneamento até 2033”, acredita Ilana.
O fato de o novo governo pretender modificar alguns aspectos do marco legal não deve prejudicar as investidas do setor privado, avalia a superintendente da Abcon, ainda que tenha pontos inquietantes. “Os decretos publicados pelo governo trouxeram pontos positivos e pontos preocupantes.
Entre os positivos, a retirada do limite de 25% do valor dos contratos para PPPs que existia na regulamentação anterior. Entendemos que essa mudança traz a possibilidade de atrair novos parceiros privados para o setor”, afirma Ilana, destacando que “a flexibilização dos prazos para a regionalização também é positiva, à medida que permite aos municípios e os estados se organizarem para os primeiros continuarem a ter acesso a recursos públicos”. Já o principal ponto negativo, segundo ela, é a possibilidade de renovação de contratos irregulares, o que fere uma das premissas cruciais para a universalização, que é a competição. “Formalizar esse tipo de contrato, sem competição, significa não permitir que se possa escolher o melhor prestador de serviço à população.
Os decretos também flexibilizam os critérios de comprovação econômico-financeira das empresas, o que, em termos práticos, significa validar a atuação de uma companhia que não alcança índices mínimos para conseguir um financiamento e investir na operação.” Ainda de acordo com a executiva, o PDL 98/23 aprovado na Câmara traz pontos positivos ao corrigir distorções dos decretos do Executivo, como a retirada do reconhecimento da prestação direta de serviço por parte da companhia estadual sem processo licitatório. “Outro ponto é que não permite mais a manutenção de contratos irregulares, retomando as premissas da legislação em vigor”, diz.

