Todo mundo a pé

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Há alguns anos um engenheiro soltou a frase: “Transporte público, direito do cidadão, dever do Estado”. A frase virou dístico e passou a figurar em ônibus ou em qualquer lugar onde pudesse ter maior visibilidade. Aparentemente possuía o peso de uma verdade. Mas, verificou-se depois, nem tanto. Às vezes, nem sequer meia verdade. O direito do cidadão vira e mexe anda pisoteado e, quanto ao dever, o Estado invariavelmente o mantém na lixeira do esquecimento.

A frase virou motivo de piada. Onde está o direito? E, o dever, onde está?

No fundo, o transporte público sempre foi encarado não como um dever a ser cumprido, mas como um favor a ser prestado, em geral de má vontade, para uma população cansada, extenuada, que arca com os seus custos e com os custos de quem enriquece com a sua exploração. À margem dessa inversão de valores, enxameiam as denúncias de corrupção.

Por isso, quando a gente vê um prefeito ou um governador entregando um bem dessa natureza, não deixa de pensar: Quem deveria estar inaugurando a obra, seria a população; o governo e seus subalternos deveriam portar-se como meros e humildes expectadores ou divulgar, no ato, um mea-culpa pelos atrasos, pelos desvios, pela angústia contínua infligida às multidões desprovidas de transporte público de qualidade. Jamais deveriam utilizar qualquer inauguração para prosseguir na obsessiva vontade de jamais deixar o Poder.

Além do que, uma obra não pode nem deve ser personalizada. É um bem coletivo, desde a primeira ideia para o projeto e desde o projeto até a plenitude de sua realização. É um bem, portanto, do conjunto da sociedade. A falta de entendimento tão singelo pressupõe uma deformação de caráter. Ou falta dele.

Mas, vamos adiante. Uma obra não se acaba no ato da entrega. Ela continua. E, em sua continuidade, exige zelo e manutenção. A falta dessa disposição para que ela continue gera o que temos visto, sobretudo em SP e Rio: usuários, milhares deles, obrigados a abandonar vagões e a seguir pelos trilhos. Todo mundo a pé. Um achincalhe.

Fonte: Nildo Carlos Oliveira


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